Parece paradoxal que
depois de um post “A oeste nada de novo” vos proponha um outro com este título.
Mas não é paradoxo.
“A oeste nada de
novo”procurava sublinhar a contradição que existe entre a aceleração do tempo
político e do fosso da economia portuguesa e a cristalização das alternativas
de governação. Agora pretendo fixar-me numa das mais relevantes mudanças que
atravessaram o já tempo longo da democracia em Portugal.
O meu foco é de novo
mais uma entrevista de Anabela Mota Ribeiro na revista do Público de domingo.
Não tenho nenhuma fixação em particular pela jornalista. Mas não tenho dúvidas
em considerar as suas entrevistas como documentos cruciais de história futura
da sociedade portuguesa, por conseguinte a preservar num arquivo digital seletivo
e crucial do que mexeu no país após a sua transição para a democracia. E a sua
entrada, hoje, no universo mais íntimo de Alexandre Quintanilha e de Richard
Zimler não foge a essa regra, configurando uma entrevista que é uma peça rara
de sensibilidade, de afloração do mais íntimo de uma relação sem invadir o
universo da privacidade.
Ao contrário de
alguns, sempre considerei que o fator mais decisivo das mudanças ocorridas na
sociedade portuguesa não foi o aumento sustentado do rendimento per capita que
protagonizou um longo movimento de convergência com os padrões europeus. Esse
aumento não foi infelizmente irreversível, como o provam inequivocamente o declínio
e empobrecimento em que estamos mergulhados. O que verdadeiramente mudou na
sociedade portuguesa foram os padrões culturais e os valores, a emergência de
um sociedade tolerante, a liberdade de ser como se quer ser, a forma como
encaramos a relação com o corpo, a forma como o evidenciamos. Por mais que as
Jonet deste mundo roam as suas unhas até ao sabugo e os gurus dos valores mais
tradicionais se empenhem no contrário, a sociedade portuguesa mudou,
libertou-se das teias mais pesadas do conservadorismo, admitindo e convivendo
com a liberdade do outro. E isso ninguém nos pode tirar.
A peça de Anabela Mota
Ribeiro é uma jóia de evidência dessa mudança.
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