quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O EVANGELHO SEGUNDO VITORINO


Excelente entrevista de António Vitorino a Judite de Sousa na TVI 24. Menos pessimista do que quase todos os portugueses, Vitorino assume que existe um interesse europeu em que Portugal seja um caso de sucesso e deixou como mensagem central a de que o Governo português deve aproveitar esse interesse para negociar devidamente as próximas avaliações a que o País irá estar sujeito, entre inúmeras outras pistas úteis para registo e reflexão. Enuncio seguidamente algumas delas.

·         “A Troika subscreveu uma previsão macroeconómica para o ano 2012 que falhou redondamente em relação à receita fiscal e em relação ao desemprego. Esses dois elementos dão margem para que o Governo exija à Troika mais do que aquilo que, aparentemente, foi dado na quinta revisão, que foi um ano mais, até 2014 (com aquela subtileza de não ser 3% em 2014, mas de ser 2,5% o défice em 2014).

·         Eu fico preocupado quando o próprio Governo acredita pouco no orçamento que apresentou na Assembleia da República, na medida em que prevê já um plano B de cortes adicionais ou de, pelo menos, medidas adicionais no valor de 800 milhões de euros para o ano que vem.

·         Devo dizer que este orçamento é, para mim, um problema sério que é calcular uma recessão na ordem de 1%. Custa-me muito a acreditar que seja possível – com o nosso principal cliente externo a ter uma recessão de 2-3%, com a Alemanha a crescer apenas 0,9% – que a recessão portuguesa se fique por 1%.

·         E a razão que assiste ao Governo português é de negociar com os europeus dizendo ‘vocês estiveram de acordo com esta taxa de 1% este ano, tal como estiveram de acordo com a taxa de 3,3% no ano anterior’. Portanto, há que deixar funcionar os estabilizadores automáticos e, se não funcionaram os estabilizadores automáticos, tem que haver uma tolerância adicional.

·         Há várias maneiras de resolver o problema. Desde logo, em primeiro lugar, suavizar as metas do orçamento quanto ao défice, suavizá-las, ou seja, mais tempo. E não propriamente mais dinheiro porque eu estou convencido de que, com o apoio europeu e com a mobilização da banca portuguesa, será possível ir aos mercados em Setembro de 2013.

·         Mais tempo significa mais dinheiro? Não, não significa forçosamente mais dinheiro. Mas significa, obviamente, uma estratégia europeia que conforte a sustentabilidade da dívida dos países sobre endividados.

·         Mais tempo não significa mais austeridade. Pode significar austeridade mais diluída no tempo.

·         O ajustamento não pode ter metas apenas fétiche. O ajustamento tem que estar em linha com outros objetivos que são igualmente importantes, como por exemplo o crescimento económico, como por exemplo o combate ao desemprego.

·         Na sétima avaliação, na Primavera do ano que vem, nós estaremos muito próximos de ter os primeiros números da execução orçamental do primeiro trimestre deste ano. E convinha que a posição negocial do Governo português acautelasse más notícias. E eu receio que as más notícias cheguem exatamente por volta de Março-Abril do ano que vem. E, portanto, que se tivesse já em linha de conta que a probabilidade de haver más notícias obrigaria a discutir com a Troika – não é apenas com os funcionários da Troika, é com os patrões da Troika; isto é política, isto não são folhas de Excel, isto não é coisa para técnicos, os técnicos estão lá para fazer aquilo que a política determinar que deve ser feito. E, portanto, é com a instâncias políticas – a Comissão Europeia, o Conselho Europeu, o Banco Central Europeu e a Alemanha, há que dizê-lo sem rebuço –, é a esse nível que a questão terá que ser colocada. Para o sucesso do processo de ajustamento em Portugal é preciso evitar que os resultados, previsivelmente negativos da execução orçamental do primeiro trimestre do ano que vem, possam criar uma situação politicamente insustentável para Portugal.”

Dei por mim a trautear “Formiga Bossa Nova” (indiferente se em versão Amália ou Adriana Calcanhoto!), aquela adaptação musicada de um poema de Alexandre O’Neill que tem por refrão “assim devera eu ser”, enquanto pensava com os meus botões quão bom seria para Portugal se alguma vez chegasse o dia em que o génio político e a competência técnica de António Vitorino fossem postos ao seu inteiro serviço…

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