Nestes dois dias de
contacto mais próximo com a realidade francesa e com parte da sua imprensa, o Libération de hoje faz-me invocar um
tema que aparentemente está fora das minhas cogitações e das minhas preocupações
profissionais, mas que tem que se lhe diga.
Podemos até atribuir-lhe
um nome de código, L’affaire Merah, para adensar a interrogação.
Todos se recordam que,
em Março deste ano, a cidade de Toulouse foi abalada por um ataque à Escola
judia de Ozar-Hatorah, no qual um adulto e três crianças foram mortos. Sabia-se
que o governo de Sarkosy tinha na altura tratado a situação de modo muito pouco
profissional e que o autor do ataque, Mohamed Merah tinha sido morto no cerco
ao seu apartamento, depois de um cerco de cerca de 32 horas.
Hoje, porém, e o Libération faz eco disso, é possível
reconstituir praticamente todo o processo que se desenvolveu antes do ataque à
Escola judia, integrando designadamente a morte de três militares, havendo
conexões entre os eventos.
O que se sabe é que as
autoridades regionais da Direction du
Renseignement Intérieur (DRRI) tinham oportunamente fornecido ao
Departamento Central (DCRI) todas as pistas em torno do movimento salafista que
se organizava na região, com mais do que indícios de que a probabilidade de Merah
estar envolvido nos assassínios dos militares atrás referidos era elevada. Mais
do que sinais, informações recolhidas justificariam uma maior vigilância de
Mohamed Merah. E, como nestas coisas há sempre a outra face da responsabilização,
as famílias atingidas pelo ataque à Escola judia reúnem presentemente elementos
com os seus advogados para responsabilizar o DCRI pela sua incapacidade de tratar
pertinentemente a informação recebida.
O caso Merah vem de
novo suscitar o tema das informações recolhidas por estes serviços especializados
e em torno dos quais há que identificar os sinais que podem conduzir a ações
preventivas que possam evitar acontecimentos como os de Toulouse.
Como é óbvio, a massa
de informação que chega aos desencriptadores é gigantesca e existem métodos de
análise de dados que apuram metodologias de triagem de grande sofisticação. Tudo
isso é antecipável e conhecido. Mas a pesquisa que existe sobre estes temas
mostra que, por vezes, não é a sofisticação dos processos de tratamento a fazer
a diferença decisiva, embora a potencie. Frequentemente, a chave do enigma está
em sinais para cuja interpretação é necessária intuição que complete todo o
processo de sofisticação de “data mining”
e outras técnicas associadas.
Num artigo que a New Yorker dedicou ao tema já há algum
tempo, foi demonstrado que um dos pilotos que destruiu as Torres Gémeas no 11
de Setembro tinha sido identificado uns tempos antes no aeroporto de Miami como
autor de um aparecimento tudo menos reservado. Inscrito e frequentando uma
Escola profissional de voo, o terrorista numa das aulas de prática de pilotagem
numa pequena aeronave infringiu todas as regras estabelecidas e chegou mesmo a
invadir uma zona proibida da pista. Pergunta-se: teriam os serviços secretos ou
de informações subavaliado o interesse daquele sinal concreto?
O caso de Toulouse é
bem mais explícito do que o do terrorista distraído de Miami. Merah esteve sob
vigilância pelos serviços regionais e teria sido a estrutura pesada,
centralizada e hierarquizada do DCRI que terá determinado o levantamento desse
acompanhamento que viria a revelar-se fatal.
Mas a questão
subsiste. Há informações que só a posteriori e em contexto de desenlace vão
adquirir todo o seu significado, daí a relevância dos tais sinais e da sua
interpretação.
Cansado de viagem, terá
sido mais um episódio da Medium na Fox Life que desencadeou esta reflexão. Por mais
estranho e obtuso que possa parecer, este é um tema crucial para o planeamento
estratégico em contexto de incerteza, que nos leva ao papel da intuição como
elemento complementar do desbravamento sofisticado do data mining.
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