A alguns
dias, poucos, das eleições regionais na Catalunha e com a hipótese de maioria
absoluta para a CiU aparentemente afastada, as sondagens referendárias
publicadas parecem ilustrar alguma perda de vivacidade dos sentimentos
independentistas, embora se mantenham elevados. A simulação de um possível referendo sobre a independência permite concluir que o independentismo ganharia
mas com uma percentagem (46%) apenas superior em quatro pontos percentuais ao
voto da continuidade no estado espanhol (42%). Porém, se a independência
significar ficar fora da União Europeia, então aí os seus adeptos caem para 37%
e são suplantados por uma clara superioridade dos que desejariam permanecer no
estado espanhol (50%). Estes números sugerem que a última grande manifestação
da Diada representaria também uma
parcela de voto de protesto para com a situação espanhola e a governação do PP,
sem implicar necessariamente a opção pela independência. Aliás, o modelo de
estado federal representa já a melhor solução político-constitucional para a
Espanha das nações para 28% dos inquiridos.
A propósito,
enquanto fazia horas para uma aula do curso de História do Cinema dedicada ao
neo-realismo italiano numa Bertrand que nunca tinha visitado (centro comercial
junto ao Hospital S. João) não pude deixar de folhear (e compulsivamente
comprar) uma edição da Ática (Babel) da nova série das obras de Fernando
Pessoa. Nada mais, nada menos do que o Ibéria
– introdução a um imperialismo futuro. Não resisto a citar um texto
premonitório de Pessoa sobre a Catalunha, em português da época (1918) para
marcar ainda mais a genialidade da antecipação:
“Dos problemas que hoje agitam e perturbam
a indisciplinada vida da Europa, o problema do separatismo catalão é talvez o
que mais flagrantemente foca o conflicto fundamental que se trava hoje no
mundo, e, portanto, aquele que mais curiosos ensinamentos contém.
No pleito, que o Destino faz que se
degladie entre a Hespanha e a Catalunha, há o facto essencial de todos os
dramas. Como em todos os dramas, um momento creado pelo Destino, mas segundo
inevitáveis resultados de um passado [que]surdamente se acumulou, faz entrar em conflicto forças e ideas que é
absurdo que entrem em conflicto, que é doloroso que se encontrem em guerra. Como
em todos os dramas, não há solução satisfactoria para o problema, porque a única
arbitragem certa ,e por isso injusta, é a do Destino. E como em todos os dramas
ambas as partes teem egual razão.
O conflicto entre a Catalunha e a Hespanha é
o conflicto entre o conceito nacional de paiz, e o conceito civilizacional de
paiz. Um conceito é geographico, suppõe-se ser ethnico, e affirma-se como linguístico.
O outro conceito é histórico, suppõe-se ser imperialista, e affirma-se como
cultural.
Do ponto de vista nacional, e exclusivamente
nacional, a Catalunha é uma nação, um paiz, com indole própria, tendências especiaes,
com um idioma aparte, que as define, e uma aspiração, que as deseja.” (p.64).
Pessoa
escreveu esta peça há 94 anos. Genialidade visionária, mas também inércia e
espessura da própria realidade catalã, embora em profunda aceleração.
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