terça-feira, 20 de novembro de 2012

AINDA A CATALUNHA



A alguns dias, poucos, das eleições regionais na Catalunha e com a hipótese de maioria absoluta para a CiU aparentemente afastada, as sondagens referendárias publicadas parecem ilustrar alguma perda de vivacidade dos sentimentos independentistas, embora se mantenham elevados. A simulação de um possível referendo sobre a independência permite concluir que o independentismo ganharia mas com uma percentagem (46%) apenas superior em quatro pontos percentuais ao voto da continuidade no estado espanhol (42%). Porém, se a independência significar ficar fora da União Europeia, então aí os seus adeptos caem para 37% e são suplantados por uma clara superioridade dos que desejariam permanecer no estado espanhol (50%). Estes números sugerem que a última grande manifestação da Diada representaria também uma parcela de voto de protesto para com a situação espanhola e a governação do PP, sem implicar necessariamente a opção pela independência. Aliás, o modelo de estado federal representa já a melhor solução político-constitucional para a Espanha das nações para 28% dos inquiridos.
A propósito, enquanto fazia horas para uma aula do curso de História do Cinema dedicada ao neo-realismo italiano numa Bertrand que nunca tinha visitado (centro comercial junto ao Hospital S. João) não pude deixar de folhear (e compulsivamente comprar) uma edição da Ática (Babel) da nova série das obras de Fernando Pessoa. Nada mais, nada menos do que o Ibéria – introdução a um imperialismo futuro. Não resisto a citar um texto premonitório de Pessoa sobre a Catalunha, em português da época (1918) para marcar ainda mais a genialidade da antecipação:
“Dos problemas que hoje agitam e perturbam a indisciplinada vida da Europa, o problema do separatismo catalão é talvez o que mais flagrantemente foca o conflicto fundamental que se trava hoje no mundo, e, portanto, aquele que mais curiosos ensinamentos contém.
No pleito, que o Destino faz que se degladie entre a Hespanha e a Catalunha, há o facto essencial de todos os dramas. Como em todos os dramas, um momento creado pelo Destino, mas segundo inevitáveis resultados de um passado [que]surdamente se acumulou, faz entrar em conflicto forças e ideas que é absurdo que entrem em conflicto, que é doloroso que se encontrem em guerra. Como em todos os dramas, não há solução satisfactoria para o problema, porque a única arbitragem certa ,e por isso injusta, é a do Destino. E como em todos os dramas ambas as partes teem egual razão.
O conflicto entre a Catalunha e a Hespanha é o conflicto entre o conceito nacional de paiz, e o conceito civilizacional de paiz. Um conceito é geographico, suppõe-se ser ethnico, e affirma-se como linguístico. O outro conceito é histórico, suppõe-se ser imperialista, e affirma-se como cultural.
Do ponto de vista nacional, e exclusivamente nacional, a Catalunha é uma nação, um paiz, com indole própria, tendências especiaes, com um idioma aparte, que as define, e uma aspiração, que as deseja.” (p.64).
Pessoa escreveu esta peça há 94 anos. Genialidade visionária, mas também inércia e espessura da própria realidade catalã, embora em profunda aceleração.

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