"Mr. Van Rompuy wants to borrow 973 billion euros till January"
Matt (Telegraph)
Matt (Telegraph)
A preparação da minha
intervenção na Conferência Portugal em Mudança (27.11.2012, sessão Território e Desordens), que
assinala os 50 anos do ICS e regista o olhar relevante deste agora Laboratório
Associado no acompanhamento e explicação dessas mudanças, determinará por certo
alguma irregularidade da minha parte de participação neste espaço.
Pressionado por essa
preparação (sobretudo pela bondade da organização em atribuir-me a “keynote intervention” da referida sessão)
e por uma chuva persistente que atormenta estes dias em Lisboa, a nota que me
ocorre é a da cada vez mais evidente contradição que mina a meu ver irreversivelmente
a construção europeia. O tema foi tratado numa outra lógica de abordagem por
Vasco Pulido Valente numa das suas crónicas deste fim de semana e a raiz da
contradição vem sendo desde há longo tempo registada pelo espírito crítico de
José Pacheco Pereira.
Mas em que consiste
afinal a contradição europeia? Não é tanto a divisão “Norte-Sul” que corporiza
essa contradição. Ela é mais complexa e teve uma natureza marcadamente
evolutiva.
Sabemos que o projeto
europeu resulta, na sua ideia original e nos seus avanços iniciais, de visionários
políticos ainda com uma perceção de memória e de experiência da segunda guerra
mundial e dos seus impactos na Europa. A progressiva complexidade dos avanços
possíveis e o inexorável desaparecimento dos visionários determinou que as
sempre conturbadas decisões de progressão do projeto tivessem sido sempre
assumidas à margem dos eleitorados nacionais. A aparente indiferença com que a
fraca participação nas eleições europeias foi sempre encarada (aliás
frequentemente transformadas em “intermezzos” das lutas políticas nacionais), a
fuga sistemática aos referendos em alguns países e a relatividade passividade
dos parlamentos em relação a estas matérias (mais a sul do que a norte)
acabaram por determinar um grande afastamento dos eleitorados relativamente à
essência (solidariedade) do projeto europeu.
Este contexto político
desfavorável tem sido fortemente agravado por uma situação económica globalmente
recessiva, produto em grande parte da miopia dos não visionários europeus. A
miragem do crescimento de outras épocas e a grande incapacidade das sociedades
adaptarem o seu modelo de consumo e poupança às novas perspetivas do
crescimento económico tendem a exacerbar perspetivas eurocéticas e de reforço
do nacionalismo. Ora, neste contexto cada vez mais agravado, quando os não
visionários procuram apoiar-se nos seus eleitorados encontram obviamente uma
situação minada pela marginalização a que foram anteriormente sujeitos. Invocar
nestes contextos de desemprego estrutural instalado e de crescimento anémico a
solidariedade europeia exigiria respaldo anterior quanto aos sucessivos avanços
da construção europeia alcançados por não visionários na secretaria. Entretanto,
como Tony Judt inteligentemente o assinalou, vai-se perdendo a memória dos
tempos difíceis que explicaram a grande adesão ao modelo social europeu. Paradoxalmente,
ao contribuírem para uma construção europeia não alinhada com a participação
progressiva e consciente dos eleitorados, os países do Sul (Portugal claramente
incluído) geraram um ambiente pouco propício à valorização dos objetivos da
solidariedade europeia. E como não se antecipa o aparecimento de novos visionários,
capazes de projetar uma perspetiva de futuro suficientemente mobilizadora para superar a contradição,
receio bem que a sua regulação passe de novo, não necessariamente
por um conflito bélico tradicional, mas por dificuldades de condições de vida e
de convivência europeias que mostrarão então as vantagens de um projeto europeu
mais coeso e solidário. Com custos que certamente a minha geração já não viverá,
mas que seguramente atingirá a dos nossos filhos.
Sem comentários:
Enviar um comentário