domingo, 25 de novembro de 2012

A CONTRADIÇÃO EUROPEIA

"Mr. Van Rompuy wants to borrow 973 billion euros till January"
Matt (Telegraph)


A preparação da minha intervenção na Conferência Portugal em Mudança (27.11.2012, sessão Território e Desordens), que assinala os 50 anos do ICS e regista o olhar relevante deste agora Laboratório Associado no acompanhamento e explicação dessas mudanças, determinará por certo alguma irregularidade da minha parte de participação neste espaço.
Pressionado por essa preparação (sobretudo pela bondade da organização em atribuir-me a “keynote intervention” da referida sessão) e por uma chuva persistente que atormenta estes dias em Lisboa, a nota que me ocorre é a da cada vez mais evidente contradição que mina a meu ver irreversivelmente a construção europeia. O tema foi tratado numa outra lógica de abordagem por Vasco Pulido Valente numa das suas crónicas deste fim de semana e a raiz da contradição vem sendo desde há longo tempo registada pelo espírito crítico de José Pacheco Pereira.
Mas em que consiste afinal a contradição europeia? Não é tanto a divisão “Norte-Sul” que corporiza essa contradição. Ela é mais complexa e teve uma natureza marcadamente evolutiva.
Sabemos que o projeto europeu resulta, na sua ideia original e nos seus avanços iniciais, de visionários políticos ainda com uma perceção de memória e de experiência da segunda guerra mundial e dos seus impactos na Europa. A progressiva complexidade dos avanços possíveis e o inexorável desaparecimento dos visionários determinou que as sempre conturbadas decisões de progressão do projeto tivessem sido sempre assumidas à margem dos eleitorados nacionais. A aparente indiferença com que a fraca participação nas eleições europeias foi sempre encarada (aliás frequentemente transformadas em “intermezzos” das lutas políticas nacionais), a fuga sistemática aos referendos em alguns países e a relatividade passividade dos parlamentos em relação a estas matérias (mais a sul do que a norte) acabaram por determinar um grande afastamento dos eleitorados relativamente à essência (solidariedade) do projeto europeu.
Este contexto político desfavorável tem sido fortemente agravado por uma situação económica globalmente recessiva, produto em grande parte da miopia dos não visionários europeus. A miragem do crescimento de outras épocas e a grande incapacidade das sociedades adaptarem o seu modelo de consumo e poupança às novas perspetivas do crescimento económico tendem a exacerbar perspetivas eurocéticas e de reforço do nacionalismo. Ora, neste contexto cada vez mais agravado, quando os não visionários procuram apoiar-se nos seus eleitorados encontram obviamente uma situação minada pela marginalização a que foram anteriormente sujeitos. Invocar nestes contextos de desemprego estrutural instalado e de crescimento anémico a solidariedade europeia exigiria respaldo anterior quanto aos sucessivos avanços da construção europeia alcançados por não visionários na secretaria. Entretanto, como Tony Judt inteligentemente o assinalou, vai-se perdendo a memória dos tempos difíceis que explicaram a grande adesão ao modelo social europeu. Paradoxalmente, ao contribuírem para uma construção europeia não alinhada com a participação progressiva e consciente dos eleitorados, os países do Sul (Portugal claramente incluído) geraram um ambiente pouco propício à valorização dos objetivos da solidariedade europeia. E como não se antecipa o aparecimento de novos visionários, capazes de projetar uma perspetiva de futuro suficientemente mobilizadora para superar a contradição, receio bem que a sua regulação passe de novo, não necessariamente por um conflito bélico tradicional, mas por dificuldades de condições de vida e de convivência europeias que mostrarão então as vantagens de um projeto europeu mais coeso e solidário. Com custos que certamente a minha geração já não viverá, mas que seguramente atingirá a dos nossos filhos.

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