(Obviamente com falhas, desacertos e sobretudo muita
gente a falar a destempo, a forma como Portugal viveu digamos esta primeira
fase da crise pandémica bloqueou a goela aos mais desbocados. Via The Guardian cheguei a outro think-tank sobre estimativas e previsões
de efeitos de crises pandémicas, o IHME, Institute of Health, Metrics and Evaluation
sediado na Universidade de Washington (link aqui).
Repetidas vezes neste
blogue, e até numa publicação internacional para a ILO de Genebra, que assinei
conjuntamente com os meus colega da FEP Pilar González e Luís Delfim e o meu
filho Hugo Figueiredo da Universidade de Aveiro, enunciei a tese de que a
qualidade do nosso Sistema Nacional de Saúde (SNS) é proporcionalmente mais
elevada à que resulta da relação que existe entre nível de desenvolvimento sócio-económico
e qualidade do seu sistema de saúde. Certamente que não se trata de uma lei
geral. Mas apesar da perceção mediatizada de utentes poder não estar em
conformidade com a realidade dos indicadores e os abalos orçamentais do ajustamento
de 2011-2014 e sequelas para a atual governação ter penalizado essa qualidade, o
SNS tem estruturalmente características de um país mais desenvolvido do que efetivamente
somos. Por fiquei satisfeito quando, há cerca de um mês, a OCDE o reconheceu em
relatório sobre a saúde em Portugal. Compreensivelmente dada a má onda
mediática que arautos da desgraça vinham propagando nos media, que me lembre só
Daniel Oliveira no Expresso e no Eixo do Mal destacou esse relatório. E fique
bem claro que não sou daqueles que só cito a OCDE quando me convém.
Na crise que vivemos
e apesar de alguns desvarios de opinião de responsáveis sindicais ou
profissionais, parece que a pandemia, apesar da colossal pressão sobre os
recursos e profissionais existentes que implicou, forneceu aos portugueses em
geral uma imagem bem mais fidedigna da qualidade do nosso SNS do que aquela que
prevalecia mediaticamente antes dos efeitos da pandemia.
Várias explicações têm
sido avançadas por esse mundo fora para a situação relativamente contida em que
Portugal tem colocado a gestão da pandemia, a qual não pode obviamente ser
apenas reconduzida à qualidade do SNS. A decisão política atempada, a qualidade
do sistema científico e a generosidade dos portugueses quando pressentem que
ela é necessária têm sido fatores também determinantes para a relativa
contenção de efeitos atrás assinalada. Só bem mais tarde e com investigações mais
consistentes e abrangentes em matéria de casos poderá dar crédito a explicações
sugeridas por instituições e meios de comunicação internacionais, como por
exemplo a de que Portugal apresentaria percentagens elevadas de vacinação da
população envelhecida contra a tuberculose. Esta hipótese, com origem na Alemanha,
creio, poderá ser tanto mais sugestiva quanto as mesmas instituições
internacionais consideram que as populações do sul podem apresentar
mortalidades potencialmente mais elevadas por causas decorrentes do nosso
modelo de organização social. Querem essas instituições referir-se ao facto dos
jovens permanecerem em contacto com pais e avós durante muito mais tempo do que
é usual nas populações do norte da Europa, o que poderia induzir taxas de
contágio mais elevadas nos períodos iniciais da pandemia. Repito, há um mundo à
nossa espera em matéria de investigação, que certamente ocorrerá no seu tempo
adequado.
Por agora, o que
podemos dizer é que, se tivermos juízo e tivermos nervos de aço e coordenação
eficaz para controlar o período de abertura e flexibilização do confinamento,
Portugal poderá sair reforçado desta crise e preparar-se em condições para um
novo surto enquanto a vacinação não for possível. E creio que a perceção da qualidade
do SNS mudará, sendo mais fácil a partir de agora encontrar consensos mais
alargados para não permitir a sua descapitalização e colapso.
Nesta ânsia de colher
informação que nos ajude a compreender o durante, afinal a matéria mais difícil
de compreensão dos processos dinâmicos como este, o The Guardian levou-me aos
dados do IHME, Institute of Health, Metrics and Evaluation da Universidade
de Washington. As previsões deste think-tank são interessantes pois analisam
com algum pormenor a situação dos sistemas públicos do ponto de vista da pressão
que incide sobre os recursos considerados vitais para enfrentar uma pandemia
desta natureza.
As estimativas do
IHME de hoje de manhã (já que são estimativas constantemente aperfeiçoadas)
para Portugal eram realizadas segundo a hipótese de 7 dias passados sobre o
pico de pressão sobre os recursos. A situação portuguesa surge na estimativa do
IHME sem problema em matéria de escassez de camas, alguma pressão sobre os
cuidados intensivos e estimava também a necessidade de 210 ventiladores.
As datas da decisão
política para a distanciação social surgem também claramente identificadas no
quadro de bordo do IHME: (i) Encerramento de serviços não essenciais – 19 de
fevereiro (???); (ii) encerramento de escolas – 16 de março; (iii) confinamento
em casa – 19 de março; (iv) limitação drástica de viagens – 9 de abril. A data
dos serviços não essenciais causa-me alguma dúvida.
Do ponto de vista do
meu acompanhamento de curvas e diagramas, trago-vos hoje as seguintes,
atualizadas com os valores do boletim da DGS de hoje:
Evolução
do nº de casos acumulados
A polinomial continua
quase perfeita, aguardando a sua inflexão para este mês.
Evolução
das taxas de crescimento de caos registados e suspeitos
O decréscimo das
taxas é robusto.
Evolução
da taxa de letalidade de infetados
Assistiremos
provavelmente durante os próximos dias a algum aumento das mesmas. De qualquer
modo, bem longe dos valores de alguns países ( ver gráfico abaixo, com valores
de hoje do John Hopkins University Center).
Sem comentários:
Enviar um comentário