sábado, 11 de abril de 2020

A NOSSA CRISE PANDÉMICA VISTA DE FORA



(Obviamente com falhas, desacertos e sobretudo muita gente a falar a destempo, a forma como Portugal viveu digamos esta primeira fase da crise pandémica bloqueou a goela aos mais desbocados. Via The Guardian cheguei a outro think-tank sobre estimativas e previsões de efeitos de crises pandémicas, o IHME, Institute of Health, Metrics and Evaluation sediado na Universidade de Washington (link aqui).

Repetidas vezes neste blogue, e até numa publicação internacional para a ILO de Genebra, que assinei conjuntamente com os meus colega da FEP Pilar González e Luís Delfim e o meu filho Hugo Figueiredo da Universidade de Aveiro, enunciei a tese de que a qualidade do nosso Sistema Nacional de Saúde (SNS) é proporcionalmente mais elevada à que resulta da relação que existe entre nível de desenvolvimento sócio-económico e qualidade do seu sistema de saúde. Certamente que não se trata de uma lei geral. Mas apesar da perceção mediatizada de utentes poder não estar em conformidade com a realidade dos indicadores e os abalos orçamentais do ajustamento de 2011-2014 e sequelas para a atual governação ter penalizado essa qualidade, o SNS tem estruturalmente características de um país mais desenvolvido do que efetivamente somos. Por fiquei satisfeito quando, há cerca de um mês, a OCDE o reconheceu em relatório sobre a saúde em Portugal. Compreensivelmente dada a má onda mediática que arautos da desgraça vinham propagando nos media, que me lembre só Daniel Oliveira no Expresso e no Eixo do Mal destacou esse relatório. E fique bem claro que não sou daqueles que só cito a OCDE quando me convém.

Na crise que vivemos e apesar de alguns desvarios de opinião de responsáveis sindicais ou profissionais, parece que a pandemia, apesar da colossal pressão sobre os recursos e profissionais existentes que implicou, forneceu aos portugueses em geral uma imagem bem mais fidedigna da qualidade do nosso SNS do que aquela que prevalecia mediaticamente antes dos efeitos da pandemia.

Várias explicações têm sido avançadas por esse mundo fora para a situação relativamente contida em que Portugal tem colocado a gestão da pandemia, a qual não pode obviamente ser apenas reconduzida à qualidade do SNS. A decisão política atempada, a qualidade do sistema científico e a generosidade dos portugueses quando pressentem que ela é necessária têm sido fatores também determinantes para a relativa contenção de efeitos atrás assinalada. Só bem mais tarde e com investigações mais consistentes e abrangentes em matéria de casos poderá dar crédito a explicações sugeridas por instituições e meios de comunicação internacionais, como por exemplo a de que Portugal apresentaria percentagens elevadas de vacinação da população envelhecida contra a tuberculose. Esta hipótese, com origem na Alemanha, creio, poderá ser tanto mais sugestiva quanto as mesmas instituições internacionais consideram que as populações do sul podem apresentar mortalidades potencialmente mais elevadas por causas decorrentes do nosso modelo de organização social. Querem essas instituições referir-se ao facto dos jovens permanecerem em contacto com pais e avós durante muito mais tempo do que é usual nas populações do norte da Europa, o que poderia induzir taxas de contágio mais elevadas nos períodos iniciais da pandemia. Repito, há um mundo à nossa espera em matéria de investigação, que certamente ocorrerá no seu tempo adequado.

Por agora, o que podemos dizer é que, se tivermos juízo e tivermos nervos de aço e coordenação eficaz para controlar o período de abertura e flexibilização do confinamento, Portugal poderá sair reforçado desta crise e preparar-se em condições para um novo surto enquanto a vacinação não for possível. E creio que a perceção da qualidade do SNS mudará, sendo mais fácil a partir de agora encontrar consensos mais alargados para não permitir a sua descapitalização e colapso.

Nesta ânsia de colher informação que nos ajude a compreender o durante, afinal a matéria mais difícil de compreensão dos processos dinâmicos como este, o The Guardian levou-me aos dados do IHME, Institute of Health, Metrics and Evaluation da Universidade de Washington. As previsões deste think-tank são interessantes pois analisam com algum pormenor a situação dos sistemas públicos do ponto de vista da pressão que incide sobre os recursos considerados vitais para enfrentar uma pandemia desta natureza.

As estimativas do IHME de hoje de manhã (já que são estimativas constantemente aperfeiçoadas) para Portugal eram realizadas segundo a hipótese de 7 dias passados sobre o pico de pressão sobre os recursos. A situação portuguesa surge na estimativa do IHME sem problema em matéria de escassez de camas, alguma pressão sobre os cuidados intensivos e estimava também a necessidade de 210 ventiladores.

As datas da decisão política para a distanciação social surgem também claramente identificadas no quadro de bordo do IHME: (i) Encerramento de serviços não essenciais – 19 de fevereiro (???); (ii) encerramento de escolas – 16 de março; (iii) confinamento em casa – 19 de março; (iv) limitação drástica de viagens – 9 de abril. A data dos serviços não essenciais causa-me alguma dúvida.

Do ponto de vista do meu acompanhamento de curvas e diagramas, trago-vos hoje as seguintes, atualizadas com os valores do boletim da DGS de hoje:


Evolução do nº de casos acumulados

A polinomial continua quase perfeita, aguardando a sua inflexão para este mês.


Evolução das taxas de crescimento de caos registados e suspeitos

O decréscimo das taxas é robusto.


Evolução da taxa de letalidade de infetados

Assistiremos provavelmente durante os próximos dias a algum aumento das mesmas. De qualquer modo, bem longe dos valores de alguns países ( ver gráfico abaixo, com valores de hoje do John Hopkins University Center).



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