(Comecei a escrevo esta nota com o Conselho Europeu
reunido sei lá através que plataforma online e apetecendo-me, nem sei bem
porquê, invocar a palavra parnefália para descrever a multiplicidade de opções
que estão em cima da mesa para a tentativa de transformar esta recessão na
menos duradora possível. É provável que a termine já com o Conselho terminado. Alguém, um finlandês, dizia há dias que a União é sempre “crise, caos e uma
solução possível”. Muito provavelmente será assim, hoje, mais uma vez. Mas só
para perceber a tal parnefália de opções sugeridas é preciso resistência e
paciência, muita de ambas.
Reparo agora que nos
três dicionários volumosos que se escondem envergonhados numa ponta inferior da
estante a palavra parnefália não consta de nenhum. Encontro-a, porém, no Google,
não de forma direta mas integrando algumas frases de várias pessoas, talvez tão
atraídas pela palavra como eu. Mas o melhor é regressar à palavra correta, parafernália, como alguém próximo me fez notar..
Mas voltemos ao assunto
que me traz aqui.
Os líderes políticos
europeus, para além de mergulhados na gestão da crise sanitária, uns mais
distendidos, outros mais pressionados, e na procura de uma solução de
flexibilização do confinamento que não deite tudo o até agora alcançado a
perder, terão nos seus “briefings” más notícias sobre o abalo económico que a
crise viral está a provocar. Uma série de indicadores macroeconómicos e de
avaliação de tendências conjunturais anuncia estimativas de perda de produto e
de recuo da procura global para o segundo trimestre de 2020 bem mais negras do
que as estimativas mais negras tinham previsto. À necessidade de aguentar este
embate no curto prazo junta-se a também necessária criação de condições para
uma nova trajetória de crescimento a médio-prazo (por mais adaptável às novas
circunstâncias que tenha de ser). Talvez não fosse estimável, mas seguramente
cenarizável era-o. O sincronismo da situação recessiva em todo o mundo
determinado pela extensão pandémica gera situações complexas de interação entre
crises de oferta e de procura e aí estamos na montanha russa a descer vertiginosamente.
É certo que os EUA
estão neste momento em processo de devastação. O cartoon colocado por Gustavo
Pimenta na sua página de Facebook tem piada e anuncia o coronavírus a proteger-se
do destrambelhado Trump. Mas é uma metáfora sobre a perigosidade a que a
democracia americana está submetida. Oxalá Trump não tenha ele de fugir ao dito
porque se assim acontecesse isto era sinal de uma nova tragédia americana. Mas
foi na Europa que a pandemia se processou com maior intensidade e diversidade de
efeitos pelo que o lógico seria esperar uma resposta em conformidade. Da tentativa
de coordenação logística e operacional do combate à pandemia nem vale a pena
falar. A imagem de frustração que ressaltou da intervenção de Ursula von der
Leyen sobre essa matéria ficará para os anais da incapacidade política.
Por isso, é no
combate à recessão que pode haver algum lavar da face. Com ajuda de imprensa
especializada e recorrendo sempre que possível a documentação da própria
Comissão Europeia lá tentei compreender que hipóteses estavam em jogo para além
do já esgotado tema da mutualização ou não mutualização da dívida, pois já se
percebeu que, na tal lógica do “crise, caos e solução possível” a mutualização
não será uma delas.
A parafernália de vias
é enorme, com modalidades para todos os gostos. A diplomacia de cada país
estará a movimentar-se fortemente para alinhar espingardas de decisão pelas
mais favoráveis para os países a braços com necessidades gigantescas de
estímulo à recuperação. Pressinto que o tempo diplomático da denúncia do “repugnante”
já era e que estamos em tempo do que costumo chamar diplomacia da dimensão.
Hoje, o El País clamava, talvez como esforço derradeiro de dar algum alento ao
errático Sánchez, que a diplomacia espanhola com Sánchez e a vice-Presidente Nadia
Calviño a marcaram pontos na defesa de um plano de recuperação na ordem de 1,5
milhões de milhões de euros. Mas é preciso um curso de tecno-burocracia
bruxelense para entender as alternativas.
O chamado Quadro Financeiro
Plurianual (Multiannual Financial Framework ou
MFF na gíria) é um dos enquadramentos possíveis. O que está em vigor termina em
2020 e a preparação de um próximo poderia ser reequacionada com este novo contexto.
Mas é terreno minado. A sua preparação andava de bloqueio em bloqueio, mesmo
sem pandemia. Por isso, os países mais atingidos pela recessão económica têm
procurado situar o desejado Fundo de Recuperação fora do âmbito do MFF.
O montante financeiro
deste Fundo tem sido falado em torno de um mínimo de 1 milhão de milhão de
euros e valores superiores. Implicitamente, a perspetiva é da própria Comissão
Europeia aceder em mercado a financiamento externo tentando fazê-lo às mais
baixas taxas de juro possíveis. Os especialistas dizem que isso dependerá do
desvio existente entre o que a CE pretende gastar e o que pode solicitar de
contributos aos seus estados-membros.
A analogia (já
denunciada neste blogue há dias) com a situação de guerra levou alguns
protagonistas a reclamarem a utilização de dívida perpétua. O liberal belga Guy
Verhofstadt foi um dos patronos da ideia. Macron, sempre original, ter-se-á
batido por um instrumento de grande flexibilidade, um Special Purpose Vehicle. Segundo o que li,
a probabilidade de êxito deste Veículo de Titularização (grande sofisticação) é
mínima.
Restam os Fundos de
Coesão, o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE)
e a bazuca do Banco Central Europeu que a também errática Lagarde anunciou,
depois de alguns passos em falso, como um Programa de Compras de títulos para a
emergência pandémica, no fundo o seu “whatever it takes”.
Quanto aos Fundos de
Coesão, o equilíbrio que tem sido atingido entre norte, sul e leste é
praticamente insuscetível de ser alterado. Fazer passar a pandemia por este
quadro tenderá a ser lido pelo leste europeu como redistribuição leste-sul e os
principais beneficiários dos Fundos de Coesão a leste encarregar-se-ão de movimentar
as suas hostes populistas. Para já, a programação de 2014-2020 vai rapar tudo
que tem baixa probabilidade de execução para sobretudo no caso do FSE financiar
as políticas ativas de emprego e de apoio ao desemprego no primeiro embate da recessão
económica. Em Portugal, esse processo estará em curso. Utilizadores de FSE, acautelem-se,
pois se não executaram esperem pela rapadela.
Quanto ao MEE, o que
o equilíbrio de forças terá conseguido é alguma flexibilidade em termos de
regras de condicionalidade e permitir que, até 2% do PIB, os países mais afetados
possam utilizar o MEE para aplicar em despesas de saúde relacionada com a crise
sanitária. Aqui mandou o Norte, ponto.
Finalmente, a bazuca
do BCE tem algum impacto, sobretudo quando a margem do “whatever it takes”
chega a admitir títulos classificados como lixo como colaterais dos empréstimos
solicitados pelos bancos ao BCE. É uma bazuca em termos de dimensão, mas também
é uma bazuca em termos da não defesa quanto aos efeitos que o processo terá no
endividamento dos países. É uma figa para a frente. O BCE não define o que fará
quando os países que mais recorrerem ao processo forem pressionados em termos
de desvio de spreads face à Alemanha. E aí iremos nós outra vez na vertigem da
montanha russa.
EPÍLOGO
As cartas estavam na
mesa.
O Conselho Europeu entretanto
terminou. Os contornos da decisão não são ainda claros. A ideia de Plano de Reconstrução
Económica parece ter vingado. Ursula von der Leyen terá o seu simulacro de Plano
Marshall, embora tal analogia seja ofensiva para a memória dos que o tornaram
possível nos anos pós 2ª Guerra Mundial e para quem nele trabalhou como um dos
patronos deste blogue, Albert O. Hirschman. Mas pelo que li o Fundo para a
Reconstrução terá de ser construído no âmbito do novo Quadro Financeiro Plurianual,
acompanhado do novo orçamento plurianual. Vejam as cartas possíveis e
interpretem a decisão.
Até 6 de maio haverá
tempo para novas especulações e diplomacias de dimensão.
Sem comentários:
Enviar um comentário