sexta-feira, 17 de abril de 2020

QUE GRANDE ENTREVISTA!



Na noite da última Quarta-Feira, em torno das 23 horas, hesitei entre três hipóteses de programa televisivo: ouvir José Gomes Ferreira e seus convidados no “Negócios da Semana” da SIC Notícias, apontar à habitual “Circulatura do Quadrado” da TVI 24 ou sintonizar a “Grande Entrevista” da RTP 3. Quase por palpite, e um pouco empurrado pela companhia, decidi-me por esta última possibilidade, que se traduzia numa entrevista ao número dois do Governo, Pedro Siza Vieira (PSV). E em boa hora o fiz. PSV poderá ser (ou não) pouco simpático e nada carismático ou até algo empertigado e vaidoso – não vou por aí... – mas revelou-se um ator político determinado, competente e esclarecido como de há muito não me lembro de ver em Portugal.

Numa época tão turbulenta e incerta quanto a que vivemos, confesso que me senti bem mais confortável do que tenho vindo a estar enquanto cidadão nacional ao conhecer melhor o modo de estar deste amigo que António Costa em boa hora roubou à grande advocacia e que está hoje claramente ao leme do que por cá vai sendo definido em termos de estratégia de ataque aos efeitos económicos da recessão pandémica. Além de uma grande firmeza de convicções, de uma enorme fluência discursiva e de um invulgar domínio dos números, PSV deixou algumas frases impressivas – escolho referenciar quatro, sem grande rigor de critério: (i) a consciência de que “não podemos pensar que conseguimos pagar os compromissos das empresas a fundo perdido e à custa do contribuinte; despesa do Estado agora são impostos amanhã”; (ii) o caráter imperioso de “manter [as empresas] em funcionamento, mesmo que neste estado de hibernação”, ou seja, a necessidade de “criar as condições para preservar a capacidade produtiva das empresas e proteger o emprego”, porque “tenho a noção de que isso não é só crítico para o nosso futuro coletivo, para a maneira como vamos sair desta crise; sei que o desemprego causa miséria e sofrimento”; (iii) a opção por uma linguagem de verdade, mas também a evidência de um controlo apertado da situação, ao afirmar que “agora falta uma coisa essencial, que é conseguir fazer com que esse dinheiro chegue à caixa das empresas; (iv) a reação a críticas de vário tipo em relação ao âmbito do adotado mecanismo de lay-off simplificado por via de uma confissão que releva menos de um aparente posicionamento pueril do que de uma significativa sensibilidade política, assim explicitada: “a coisa mais difícil nestas funções que exercemos são as decisões que temos de tomar quando sabemos que não podemos chegar a toda a gente e que às vezes temos de estabelecer fronteiras; (...) é mesmo muito difícil a gente reconhecer que, quando traça uma fronteira, deixa muita gente, que se calhar não merecia, fora; mas não há soluções perfeitas”.

Sim, eu não desconheço que as escolhas de PSV estão limitadas pelos recursos e têm contingências exógenas e, por isso, riscos, talvez mesmo riscos de excessiva monta. Mas quem não arrisca..., além de que Deus não ajuda quem não acredita ou faz por acreditar. Sendo que a existência de alguém a apontar caminhos, e a monitorá-los, não deixa de ser um passo primeiro para o sucesso. Dir-se-á que talvez falte algum suporte a PSV em algumas dimensões essenciais (de um conhecimento mais real e estruturado da economia a um uso eficaz e não burocrático da tecnicalidade dos fundos comunitários, p.e.), mas se fosse eu a mandar elegia PSV para comandar o futuro programa de relançamento económico do País e – porque não? – na mais do que nunca justificada qualidade de ministro a acumular articuladamente as pastas da Economia e das Finanças.


Aproveito mais algum “tempo de antena” para aqui aflorar ao de leve um tema conexo e que começa a ganhar expressão no circuito político nacional – refiro-me à questão da austeridade que aí vem (e/ou tem de vir) ou não vem, questão que tem por base a garantia por estes dias dada em várias ocasiões pelo primeiro-ministro. Cito-o: “aplicar a mesma que já se mostrou ser errada há dez anos seria agora duplamente errado” e “essa seria uma estratégia profundamente errada na atual circunstância”. Tem toda a pertinência que nos interroguemos sobre o porquê de uma tal e tão perentória afirmação num momento em que ainda pairam sobre nós incertezas de toda a natureza, nomeadamente aquelas que se reportam ao financiamento (e suas condições) a que o Estado português irá poder aceder nos próximos tempos. Por isso me inclino pessoalmente para a ideia de que António Costa (AC) está a assumir um elevado risco político, mesmo sabendo que ele conta com a desnecessidade de compor o défice por suspensão temporária da disciplina orçamental associada ao PEC (ao contrário do que ocorria no contexto da crise das dívidas soberanas) e com a promessa de um acesso ao MEE descomprometido de condicionalidades austeritárias do tipo das que marcaram a época da Troika. AC é, porém, um verdadeiro “animal político”, talvez o mais brilhante e eficaz em serviço, e lá saberá as linhas com que se está a coser.

Nesta matéria a entrevista de PSV também nos trouxe algumas achegas significativas. Primeiro, ao sublinhar o seguinte: “O que não pode acontecer é aquilo que aconteceu em 2010. Se bem se recorda, em 2010 secou o crédito, não havia crédito às empresas. (...) Os bancos deixaram de conceder, pura e simplesmente, crédito e muitas empresas asfixiaram e entraram em insolvência porque o problema de liquidez se tornou tão apertado que acabou com elas. Durante os anos da Troika, o custo médio de financiamento das empresas portuguesas estava nos 8%. As pequenas e médias empresas, quando conseguiam crédito e normalmente não conseguiam, era a uma taxa muito elevada. E, portanto, nós conseguirmos nesta altura que lhes chegue crédito, à medida que as empresas precisarem – nós não estamos a regatear –, a um custo muito baixo, com risco assumido pelo Estado, em condições em que os bancos, nas novas linhas de crédito, não podem pedir garantias adicionais às empresas, isto é uma coisa absolutamente indispensável e marca a diferença com aquilo que aconteceu nessa altura.” Depois, ao acrescentar ainda: “Há uma coisa que sabemos: os bancos portugueses hoje estão muito mais solventes, capitalizados e têm muito mais liquidez do que tinham no início da última crise. Repare, só para ter uma ideia: quando foi o início da última crise, os bancos tinham crédito concedido que correspondia a mais de uma vez e meia o valor que tinham de depósitos, ou seja, o valor dos depósitos que os clientes lhes tinham confiado era muito inferior ao valor que emprestavam. Hoje em dia, os bancos têm mais depósitos do que crédito concedido, têm margem para conceder crédito; os bancos estão muito mais capitalizados, os rácios de capital dos bancos portugueses são muito maiores; e nos últimos anos tivemos uma operação grande de redução do nível de crédito malparado, foi um esforço muito grande que os bancos fizeram – com apoio muito significativo dos contribuintes portugueses, é preciso referi-lo – mas estão agora numa posição mais sólida. Isto significa que têm agora melhores condições para fazerem aquilo que estão a fazer e que não fizeram em 2010, que é emprestarem dinheiro às empresas, mas por outro lado têm também melhor condição para absorver algum caso que possa ocorrer de crescimento do incumprimento. (...) Nós temos aqui uma grande margem para o nosso sistema financeiro acomodar uma crise que seja aquela crise de que falávamos no início, 8% este ano [em baixa] e 5% para o ano [em alta].” Um tema que vai estar na ordem do dia, disso não restem quaisquer dúvidas.

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