(Voz de Galicia)
(Alexander Stubb)
(A expressão não é minha. É adaptada da que foi proferida
por Alexander Stubb, ex-primeiro ministro finlandês, antigo deputado do
Parlamento Europeu, na conferência on line da Gulbenkian do passado dia 6 de
abril. Concordo com o meu colega de blogue que continuamos
presos a uma ilusão europeia e atrevo-me a procurar algumas explicações para
essa estranha deformação da realidade.
Estava com algumas
expectativas sobre a conferência on line da Fundação Calouste Gulbenkian
no passado dia 6 de abril, centrada no tema “Health,
Economic and Political Responses to the Covid-19 Pandemic”(link aqui). Não
seguramente pelas intervenções inicial de Isabel Mota, presidente da Fundação e
final de Durão Barroso. Mas essencialmente porque ela estava organizada em três
painéis correspondentes a três perspetivas sobre a crise do coronavírus, a de
saúde pública, a económica e a política. Estranhamente e ao contrário do que
esperaria, foi o painel da política, com duas intervenções excelentes, a da
Professora Marina Lobo e a da Professora Kim Lane de Princeton, que justificou o
meu tempo naquela tarde. O painel da saúde não acrescentou muito ao que tenho
lido por estes dias sobre a matéria e a dimensão económica foi uma desilusão,
mesmo com a presença de Ricardo Reis. Fernando Alexandre não acrescentou praticamente
nada ao texto que circulou por aí sobre a proposta de um mecanismo de
coordenação da oferta e distribuição de bens essenciais em período de pandemia
e fiquei com a sensação de que Ricardo Reis ainda não mudou de lentes para ler
a mudança de realidade que temos em mãos. Já na parte política houve temas e
análises que justificariam a tarde, sobretudo a leitura comparada que Kim Lane
fez das situações iliberais da Hungria e dos EUA: a primeira violando e comprometendo
garantias constitucionais e a segunda, pelo contrário, ficando muito além de
usar as garantias que a Constituição americana proporciona para gerir uma crise
desta natureza, com a chancela do narcisismo de Trump.
Na parte económica
(painel 2), registei uma intervenção muito contida e finlandesa de Alexander
Stubb, cuja súmula de curriculum consta da introdução a este post.
Com a frieza e
objetividade típica dos finlandeses, Stubb caracterizou sumariamente o modelo
de decisão europeu em situações desta natureza. Abreviando a sua intervenção,
dir-se-ia que a Europa apanha com as crises em cima (não as antecipando) que
corresponde à fase da “crisis”,
à qual se lhe sucede a do “caos”
para, finalmente e após uma sequência interminável de peripécias, contradições,
negociações, ódios e exasperações, chegar a uma solução que não é nem ótima,
nem sub-ótima, é a possível e de uma “ordem n”
de importância e coerência. O que me espantou foi o à vontade e frieza com que
Stubb definiu a situação e o modelo, dando a entender que não teremos melhor produto
do que este.
Começa a ser de todo
evidente que o “rei vai nu” e que a generalidade dos políticos nacionais e dos
membros da nomenclatura tecno-burocrática de Bruxelas continua mergulhada numa
ilusão quanto à efetiva dimensão e importância das decisões que são tomadas. Ou
seja, ninguém parece estar interessado ou ter vontade política seja para recuar
para um estádio de construção do projeto europeu mais politicamente manejável
em função dos eleitorados nacionais, seja para avançar e consagrar de vez o primado
das soluções europeias. O modelo atual parece o preferido, sobretudo porque
permite a multiplicação das formas segundo as quais a referida ilusão se
manifesta, permitindo assim invocar junto dos respetivos eleitorados louros pelas
longas maratonas decisórias.
Poderemos invocar
diferentes razões para explicar esta reprodução das ilusões, travestidas de “grandes
decisões” para entreter eleitorados. Das mais sofisticadas através das quais
poderíamos recorrer à teoria dos jogos para compreender como emergem as tais
soluções sub-ótimas de ordem n,
de um longínquo n. Mas talvez explicações mais simples funcionem
melhor e sejam até mais diretas. Em meu entender, o modelo da ilusão mantém-se
porque ninguém está certo de que haja vantagem em sair e quebrar com as suas
limitações. Mais a sul, para além dos que continuam agarrados à sua tese de que
a saída do euro era gerível (mais calados por estes tempos, mas resistentes), ninguém
de juízo mais ou menos coerente se atreve a imaginar a saída e o enfrentamento
a sós do mundo que hoje se nos oferece. Mas a norte, se excetuarmos a também
ilusão britânica de que o tempo volta para trás, ninguém também está disposto
seriamente a deixar cair o Euro e a União. Afinal, esse Euro e essa União proporcionaram
a esses países ganhos consideráveis que excedem bastante o seu contributo para
os mecanismos de estabilidade, orçamento da União e outras matérias que tais.
E, com alemães à frente, não se inibiram na última crise de 2007-2008 colocar a
salvo os seus investimentos e empréstimos antes dos momentos mais dolorosos da
abordagem à crise das dívidas soberanas.
Poderemos dizer que o
modelo da ilusão é um pouco kafkiano. Concordo por isso com
o meu colega de blogue pedindo um pouco de decoro no modo como se pintam os
resultados do “crise, caos e compromisso possível”.
Boa Páscoa,
confinada, mas mesmo assim Páscoa e nós precisamos de rituais, mesmo que por
agora virtuais.
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