quinta-feira, 16 de abril de 2020

RUBEM E LUIS


No curto espaço de vinte e quatro horas desapareceram dois dos meus escritores contemporâneos de culto, o brasileiro Rubem Fonseca (RF) e o chileno Luis Sepúlveda (LS). Não cometerei o erro de daqui lhes dirigir um obituário para o qual não tenho o devido conhecimento de fundo nem a devida competência literária. Junto com quatro exemplares ilustrativos da obra de cada um deles, assinalarei apenas alguns detalhes que me são mais chamativos sobre ambos: por um lado, um RF de idade já avançada (completaria 95 anos em maio) e que era, talvez mais do que um romancista (domínio em que brilhou com “Agosto”, um relato magistral das conspirações que se saldaram no suicídio de Getúlio Vargas), um contista de excelência, quiçá um dos maiores de sempre na língua portuguesa, e um ensaísta de primeira água (como eu gostava de chegar ao Brasil e de encontrar no jornal do dia mais uma das suas incomparáveis crónicas!) – ficamos a dever-lhe, entre tanto mais, a criação de um personagem como Mandrake (um advogado cheio de vícios, definível entre uma imoralidade cínica e um machismo clássico mas negligente, capaz de se movimentar como ninguém no submundo carioca) e aqueles retratos tão lucidamente objetivos quanto profundamente reais do quotidiano da violência urbana no Brasil; por outro lado, um LS ainda longe de ser idoso (70 anos) e que foi atingido pela atual pandemia, um romancista inconfundível (na sua irredutível moral ecológica e na universalidade da sua escrita plena de mensagens transmitidas através de parábolas únicas) que foi também um coerente ativista político e que se distinguiu ainda como um excelente realizador e argumentista. Mais duas mortes físicas que se lamentam, fica a obra de dois criadores a nunca perder de vista.


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