(Fernando Vicente, https://elpais.com)
O “Politico” é um dos órgãos de informação mais frequentados no que toca a matérias europeias e, sobretudo, aos bastidores e tricas que enformam as grandes decisões. Embora talvez excessivamente assente nesta última dimensão, a sua qualidade é indiscutível e a sua consulta é obrigatória para um melhor entendimento do que vai estando na ordem do dia, ademais por via adicional de algumas entrevistas relevantes que frequentemente consegue publicar com protagonistas relevantes e de certas fugas e caixas técnicas marcantes que frequentemente consegue trazer ao conhecimento público.
Ontem, o seu “Brussels Playbook” resolveu atirar-se com alguma veemência à presidente da Comissão, a alemão Ursula von der Leyen (UvdL). Escrevendo o seguinte, e cito em tradução própria e algo livre:
“Gestão de desastres...
No papel, Ursula von der Leyen não poderia ter sido melhor escolha para este momento da história da UE: nascida em Bruxelas; trilíngue em alemão, francês e inglês; ministra por três vezes; a primeira mulher presidente da Comissão Europeia de sempre; e uma médica experiente com mestrado em saúde pública a liderar a resposta à pandemia do coronavírus. Um roteirista de Hollywood dificilmente poderia sonhar com tanto.
... ou desastre de gestão?
Mas, na realidade, von der Leyen e a sua Comissão têm esbracejado. O seu currículo é uma coisa, o desempenho real como gestora de crises é outra. Os esforços de Bruxelas na gestão de emergências desencadearam por vezes novas crises políticas e de comunicação, tendo mesmo chegado a causar alguma angústia entre aqueles que só desejam que tenha sucesso.
Os críticos dizem que von der Leyen é excessivamente respeitadora dos líderes nacionais – que fizeram dela a sua escolha surpresa para liderar a Comissão em julho passado – e muito cautelosa ao comando do músculo executivo da Comissão. Alguns veem sinais de que, após quatro meses e meio de funções, ela ainda não esteja adaptada ao peso que as suas palavras provocam através do Continente.
Os partidários de von der Leyen insistem em que ela não está a obter o crédito suficiente para manter o barco estável no meio da turbulência sem precedentes acontecida tão cedo no seu mandato - especialmente dadas as circunstâncias e dado que os líderes nacionais, sob pressão em suas casas, têm vindo a adotar a fácil, e mesmo covarde, estratégia de recolher crédito por tudo o que corre bem e de criticar Bruxelas por quaisquer erros.”
(Paolo Calleri, https://www.cartoonmovement.com e Satoshi Kambayashi, https://www.economist.com)
São dominantes as incursões acusatórias implícitas no artigo em apreço. E seriam muitas as suas possíveis derivações analíticas. Pela parte que me toca, e por um conjunto de razões de vária ordem e nem todas óbvias, prefiro não ir por ora a avaliações do foro da competência pessoal e política da senhora ou da sua preferencial e visível opção por uma gestão da instituição europeia encarregada de zelar pelo interesse comunitário funcionalizada ao Estado membro de onde provém e ao grupo político em que está inserida. Fico-me, assim, por um argumento mais mitigador das críticas que lhe são dirigidas e esse é o de que estaremos sempre a atirar fora do alvo se insistirmos em confundir Bruxelas e o seu pesado aparelho “burocrático” com a responsabilidade maior pelas manifestações antieuropeístas malévolas, egoístas, míopes e primárias que recorrentemente nos chegam daquelas paragens – porque, e é preciso dizê-lo com frontalidade, a culpa (palavra talvez imprópria) decorre sobretudo da instância Conselho, decisora em última instância e lugar em que se exprimem diretamente os interesses nacionais. Enquanto não distinguirmos o trigo do joio ou, talvez melhor, pecadores eventualmente negligentes (mesmo que também pouco corajosos) de pecadores dolosos, porque penetrados por interesses nacionalistas mesquinhos e por clichés interpretativos e comportamentais de vária ordem (mesmo que também contextualizáveis em alguns casos), não teremos percebido o essencial daquilo que vai crescentemente explicando a desconstrução europeia em curso aparentemente irremediável – com uma moeda única sob permanente fogo e largamente indefesa enquanto tal (não fora o São BCE, que de todo o modo não irá poder atuar para sempre) e uma mecânica de funcionamento institucional obsoleta e cada vez mais se apresentando como irreformável (ilustro com a castradora regra da unanimidade e a marginalização do “método comunitário”, nele incluindo um papel reconhecível para o Parlamento), só não sabemos é quando, como e por onde o inevitável estrondo disruptivo acontecerá, para gáudio de toda uma canalha populista e antidemocrática que não deixará de aproveitar a oportunidade para lhe chamar um figo e cavalgar outras e bem mais gravosas ondas.
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