(A sempre inspirada Eva Vásquez para o El País)
(Já por várias vezes e por motivos diferentes nos surgiu a
ligação entre a pandemia e a situação de emergência climática. O tema começa a tomar alguma forma e talvez abra novas perspetivas de
abordagem a esta última.)
Seja porque o confinamento das sociedades transformou os mapas de
contaminação ambiental em praticamente todos os países, seja porque a ameaça
viral nos transmite uma outra perspetiva do que costumamos designar de “natureza”,
a ameaça pandémica fez-nos pensar de maneira diferente sobre a emergência
climática.
O testemunho de Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista brasileira,
publicado no El País formaliza alguma das intuições que têm aparecido por aí:
ELIANE BRUM
“O VÍRUS SOMOS NÓS” (link aqui)
“(…) O impasse que a pandemia nos impõe não
é novo. É o mesmo que nos coloca, desde há anos, décadas, a emergência
climática. Os cientistas e mais recentemente os adolescentes – repetem e gritam
que temos de mudar urgentemente a nossa maneira de viver ou a seremos
condenados ao desaparecimento de uma parte da população. E quem sobreviva
estará condenado a uma existência pior num planeta hostil. Toda a informação
científica indica que é necessário deixar de devorar o planeta, que temos de
mudar radicalmente os padrões de consumo, que a ideia de crescimento infinito é
uma impossibilidade lógica num mundo finito. É um facto comprovado que os
humanos se converteram numa força de destruição.
O efeito da pandemia é o efeito concentrado, agudo, do
que a crise climática produz a um ritmo muito mais lento. É como se o vírus nos
fizesse uma demonstração do que viveremos proximamente. Dependendo dos níveis
de sobreaquecimento global, chegaremos a uma etapa em que não há retorno, não
há vacina, não há antídoto. O planeta será outro.“
Notam-se os referenciais de uma militante e ativista ambiental. Mas a ideia
de que a pandemia com manifestação rápida e devastadora de efeitos gera uma
reatividade que se distingue da resposta a uma ameaça menos eficaz do ponto de
vista da manifestação dos seus efeitos como a da emergência climática é um tema
interessante e merece reflexão mais atenta. A questão dos modelos de consumo e
de organização do trabalho mais tarde ou mais cedo iria resultar da adaptação à
descarbonização. Ora, estamos mergulhados num imenso laboratório social sobre
essas matérias. Claro que pode subsistir a inércia e tudo regressar ao mesmo em
termos de modelos de consumo e de organização do trabalho. Sim, existe essa
possibilidade. Além de que como o sublinharam alguns meus colegas da Quaternaire,
teletrabalho ou trabalho à distância em reclusão não é o mesmo do que trabalho
à distância sem restrições de mobilidade. Têm carradas de razão. Mas é o
laboratório que teremos mais à mão. Por isso não me choca integrar a crise pandémica
à abordagem da emergência climática.
Sem comentários:
Enviar um comentário