quinta-feira, 2 de abril de 2020

TESTEMUNHOS (5)

(A sempre inspirada Eva Vásquez para o El País)


(Já por várias vezes e por motivos diferentes nos surgiu a ligação entre a pandemia e a situação de emergência climática. O tema começa a tomar alguma forma e talvez abra novas perspetivas de abordagem a esta última.)

Seja porque o confinamento das sociedades transformou os mapas de contaminação ambiental em praticamente todos os países, seja porque a ameaça viral nos transmite uma outra perspetiva do que costumamos designar de “natureza”, a ameaça pandémica fez-nos pensar de maneira diferente sobre a emergência climática.

O testemunho de Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista brasileira, publicado no El País formaliza alguma das intuições que têm aparecido por aí:

ELIANE BRUM
“O VÍRUS SOMOS NÓS” (link aqui)

“(…) O impasse que a pandemia nos impõe não é novo. É o mesmo que nos coloca, desde há anos, décadas, a emergência climática. Os cientistas e mais recentemente os adolescentes – repetem e gritam que temos de mudar urgentemente a nossa maneira de viver ou a seremos condenados ao desaparecimento de uma parte da população. E quem sobreviva estará condenado a uma existência pior num planeta hostil. Toda a informação científica indica que é necessário deixar de devorar o planeta, que temos de mudar radicalmente os padrões de consumo, que a ideia de crescimento infinito é uma impossibilidade lógica num mundo finito. É um facto comprovado que os humanos se converteram numa força de destruição.
O efeito da pandemia é o efeito concentrado, agudo, do que a crise climática produz a um ritmo muito mais lento. É como se o vírus nos fizesse uma demonstração do que viveremos proximamente. Dependendo dos níveis de sobreaquecimento global, chegaremos a uma etapa em que não há retorno, não há vacina, não há antídoto. O planeta será outro.“

Notam-se os referenciais de uma militante e ativista ambiental. Mas a ideia de que a pandemia com manifestação rápida e devastadora de efeitos gera uma reatividade que se distingue da resposta a uma ameaça menos eficaz do ponto de vista da manifestação dos seus efeitos como a da emergência climática é um tema interessante e merece reflexão mais atenta. A questão dos modelos de consumo e de organização do trabalho mais tarde ou mais cedo iria resultar da adaptação à descarbonização. Ora, estamos mergulhados num imenso laboratório social sobre essas matérias. Claro que pode subsistir a inércia e tudo regressar ao mesmo em termos de modelos de consumo e de organização do trabalho. Sim, existe essa possibilidade. Além de que como o sublinharam alguns meus colegas da Quaternaire, teletrabalho ou trabalho à distância em reclusão não é o mesmo do que trabalho à distância sem restrições de mobilidade. Têm carradas de razão. Mas é o laboratório que teremos mais à mão. Por isso não me choca integrar a crise pandémica à abordagem da emergência climática.

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