(Editorial Teorema)
(Já há algum tempo que não lia nada de Enrique Vila-Matas.
Dublinesca, 2011 e Mac e o seu Contratempo, 2020 deixaram-me boas recordações,
particularmente o primeiro pelos roteiros Joyceanos de Dublin que gostaria
ainda um dia de percorrer. Para hoje um excerto de
uma crónica que nos conduz aos roteiros imaginários que tendemos a construir
neste confinamento que ameaça prolongar-se pelo menos para os de idade mais
avançada. Como é que o legislador tratará o meu caso?
A crónica tem origem
no eterno Babelia e intitula-se apropriadamente “Uma injeção de humildade”
(link aqui)
Excerto
“(…) E hoje, sem ir mais longe, entrei no ensaio que
Jordi Soler dedica às “microviagens” dentro do seu literariamente invencível
Mapa secreto do bosque (Debate) e como leitor pandémico senti-me imediatamente
bem. Porque Soler aí falava do pulsar atávico que sobrevive como um náufrago no
nosso disco duro, esse pulsar que levava os nossos antepassados, há noventa mil
anos, a explorar os entornos das suas covas e assegurar que a sua família teria
uma noite tranquila. E o que propunha era que, como antídoto face à grande
deslocação que em teoria nos tornaria mais ilustrados, nos dedicássemos a
fazê-lo com um mapa cujo centro fosse a nossa casa e começássemos a caminhar pelas
ruas que a rodeavam, a construir experiências do nosso próprio entorno, a ver
lugares que nunca vimos com o tempo necessário. Soler propunha em definitivo que construíssemos
a cartografia desse universo mínimo, cujo centro é o nosso lar. Uma tarefa,
pensei eu, ajustada ao que de momento vivemos, em pleno confinamento, quiçá uma
saída semanal humilde viagem. para compras seja para nós suficiente. Porque
não? Uma injeção de humildade. Uma breve e razoavelmente humilde viagem. E ao
fim e ao cabo um passeio que nos poderia devolver a um ritmo de vida melhor do
que levamos quando viajamos de avião a toda a brida para a Cochinchina.”
A pena de Vila-Matas,
não sei se conscientemente ou por força de um desvario criativo determinado pelo
próprio isolamento, põe o dedo numa das grandes interrogações que emergirão no
após debelar a crise sanitária. Será que o modo de viajar no mundo das duas
últimas décadas irá ser o mesmo? Como é óbvio, a sedução do longínquo, do inóspito
ou do exótico existirão sempre e viajantes errantes distinguir-se-ão sempre dos
arrebanháveis em hordas turísticas. O problema não é esse. A questão está em
saber se os transportes em massa a grande distância irão continuar a ser o que
eram nessas duas décadas. Será que o universo de tudo que é trendy se aguentará,
reinventando-se efémera e incessantemente?
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