domingo, 19 de abril de 2020

PACTOS DE MONCLOA



(A tentativa de reedição do Pacto de Moncloa constitui indiretamente uma medida da gravidade da situação política e económica espanhola, que a crise sanitária não fez mais do que reavivar, sendo por ela também influenciada. A invocação da história por simples analogia e ausência de alternativas costuma dar para o torto. Não significa que não seja possível. Sobretudo se as diferenças de contexto em que se produz forem tidas em devida conta. O que não parece ser o caso, mas veremos.)

O escritor Javier Marías alertava na sua última crónica no El País Semanal para um pormenor que o sobressaltava. O governo espanhol PSOE-PODEMOS foi vítima do contágio do COVID-19 segundo uma linha de transmissão que tudo indica esteve localizada na ida de alguns membros do governo a uma manifestação no dia 8 de março, com responsabilidade maior para a linha PODEMOS. A ministra da Igualdade Isabel Montero (mulher de Pablo Iglésias) está há cerca de um mês com sintomas ligeiros mas sem os debelar e a Vice-Presidente Carmen Calvo deu positiva, tendo já entretanto retomado a atividade governamental. Pedro Sánchez tem resistido e o que Javier Marías se sobressalta é com a possibilidade (agora remota com o regresso de Carmen Calvo) de Pablo Iglésias ter podido num agravamento de situação exercer as funções de primeiro-ministro em exercício. Registo o facto como um simples temor que atormenta a conturbada situação política espanhola.
Poderemos dizer que os espanhóis precisariam neste momento de um Pedro Sánchez mais robusto e consistente. Não o tem sido, parece-me evidente. Mas não o podemos acusar de cruzar os braços. Tem sido galopante o número de iniciativas políticas que promove, reativamente é certo, erráticas, não se percebendo bem quais são os efeitos no meio de tanta iniciativa. É verdade que temos dificuldade em compreender o contexto político espanhol pois em comparação o que temos é um paraíso.

A tentativa, até agora ainda não concretizada, de reedição do Pacto de Moncloa, trazendo para o tempo político espanhol do presente o pacto celebrado em outubro de 1977 é talvez a expressão máxima da iniciativa política de Sánchez.

O contexto de 1977 em que o Pacto de Moncloa foi celebrado corresponde a um dos períodos mais difíceis da transição democrática em Espanha. A União do Centro Democrático (UCD) de Adolfo Suárez governava com uma vitória nas urnas que lhe tinha garantido cerca de 34% dos votos mas a situação macroeconómica era devastadora, na altura com a inflação galopante e a dois dígitos. O espectro das inflações latino-americanas tão estudadas por nós na economia do desenvolvimento pesava sobre as cabeças dos políticos e economistas que organizaram o trabalho de base. Nestas coisas, o fundamental é ouvir quem esteve presente nessas negociações. É o caso de um economista espanhol, que muito aprecio, economista estrutural dos quatro costados, Joaquín Estefanía, um dos quatro redatores do documento que serviu de base á negociação, presente no grupo por mandato do Vice-Presidente de então, Esteves Quintana. 

Numa crónica que deve seguramente incorporar os registos da futura história, Estefanía (link aqui) assinala a modéstia do título desse documento, Resumo de Trabalho, e refere o espírito que subjazia à negociação: nenhuma força política tinha condições para sozinha debelar a crise. Mas o elemento em meu entender mais ilustrativo dos tempos em que o pacto Moncloa foi assinado, resume-o Estefanía num registo impressionante: “No dia 8 de outubro, primeiro dia para apresentar aos representantes dos partidos os conteúdos do acordo, os debates foram angustiadamente obscurecidos pelo assassinato do presidente da Diputación de Biscaia, Augusto Unceta, cometido pela ETA num frontão de Guernica. Alguém perguntou se aquele assassinato contribuiu para desbloquear de uma vez por todas aquele pacto que agora é tão recordado”.

Não há aprendizagem a partir das lições da história se os contextos de origem e em que vão ser aplicados não forem cuidadosamente comparados e compreendidas as suas nuances diferenciadoras. A Espanha de hoje não tem uma inflação latino-americana, mas a situação macroeconómica é grave. Os protagonistas para o acordo parecem menos robustos e sólidos do que os pais da ideia. A ameaça da ETA desapareceu mas outras mais erráticas emergiram. O vírus é uma ameaça, é certo. Mas o pacto é para a abordagem ao após vírus. E até agora não se compreende o que é que está em cima da mesa para proporcionar o acordo.

(Na fotografia da EFE que abre o post, ressalta o espírito jovial do saudoso Ramón Tamames)

Sem comentários:

Enviar um comentário