(A
tentativa de reedição do Pacto de Moncloa constitui indiretamente uma medida da
gravidade da situação política e económica espanhola, que a crise sanitária não
fez mais do que reavivar, sendo por ela também influenciada. A invocação da
história por simples analogia e ausência de alternativas costuma dar para o
torto. Não significa que não seja possível. Sobretudo se as
diferenças de contexto em que se produz forem tidas em devida conta. O que não
parece ser o caso, mas veremos.)
O escritor
Javier Marías alertava na sua última crónica no El País Semanal para um
pormenor que o sobressaltava. O governo espanhol PSOE-PODEMOS foi vítima do
contágio do COVID-19 segundo uma linha de transmissão que tudo indica esteve
localizada na ida de alguns membros do governo a uma manifestação no dia 8 de
março, com responsabilidade maior para a linha PODEMOS. A ministra da Igualdade
Isabel Montero (mulher de Pablo Iglésias) está há cerca de um mês com sintomas
ligeiros mas sem os debelar e a Vice-Presidente Carmen Calvo deu positiva,
tendo já entretanto retomado a atividade governamental. Pedro Sánchez tem
resistido e o que Javier Marías se sobressalta é com a possibilidade (agora
remota com o regresso de Carmen Calvo) de Pablo Iglésias ter podido num
agravamento de situação exercer as funções de primeiro-ministro em exercício.
Registo o facto como um simples temor que atormenta a conturbada situação
política espanhola.
Poderemos
dizer que os espanhóis precisariam neste momento de um Pedro Sánchez mais
robusto e consistente. Não o tem sido, parece-me evidente. Mas não o podemos
acusar de cruzar os braços. Tem sido galopante o número de iniciativas
políticas que promove, reativamente é certo, erráticas, não se percebendo bem
quais são os efeitos no meio de tanta iniciativa. É verdade que temos
dificuldade em compreender o contexto político espanhol pois em comparação o
que temos é um paraíso.
A tentativa,
até agora ainda não concretizada, de reedição do Pacto de Moncloa, trazendo
para o tempo político espanhol do presente o pacto celebrado em outubro de 1977
é talvez a expressão máxima da iniciativa política de Sánchez.
O contexto
de 1977 em que o Pacto de Moncloa foi celebrado corresponde a um dos períodos
mais difíceis da transição democrática em Espanha. A União do Centro Democrático
(UCD) de Adolfo Suárez governava com uma vitória nas urnas que lhe tinha
garantido cerca de 34% dos votos mas a situação macroeconómica era devastadora,
na altura com a inflação galopante e a dois dígitos. O espectro das inflações
latino-americanas tão estudadas por nós na economia do desenvolvimento pesava
sobre as cabeças dos políticos e economistas que organizaram o trabalho de
base. Nestas coisas, o fundamental é ouvir quem esteve presente nessas
negociações. É o caso de um economista espanhol, que muito aprecio, economista
estrutural dos quatro costados, Joaquín Estefanía, um dos quatro redatores do
documento que serviu de base á negociação, presente no grupo por mandato do
Vice-Presidente de então, Esteves Quintana.
Numa crónica
que deve seguramente incorporar os registos da futura história, Estefanía (link aqui) assinala a modéstia do título desse documento, Resumo de Trabalho, e
refere o espírito que subjazia à negociação: nenhuma força política tinha
condições para sozinha debelar a crise. Mas o elemento em meu entender mais
ilustrativo dos tempos em que o pacto Moncloa foi assinado, resume-o Estefanía
num registo impressionante: “No dia 8 de outubro, primeiro dia para apresentar
aos representantes dos partidos os conteúdos do acordo, os debates foram
angustiadamente obscurecidos pelo assassinato do presidente da Diputación de
Biscaia, Augusto Unceta, cometido pela ETA num frontão de Guernica. Alguém
perguntou se aquele assassinato contribuiu para desbloquear de uma vez por
todas aquele pacto que agora é tão recordado”.
Não há
aprendizagem a partir das lições da história se os contextos de origem e em que
vão ser aplicados não forem cuidadosamente comparados e compreendidas as suas
nuances diferenciadoras. A Espanha de hoje não tem uma inflação
latino-americana, mas a situação macroeconómica é grave. Os protagonistas para
o acordo parecem menos robustos e sólidos do que os pais da ideia. A ameaça da
ETA desapareceu mas outras mais erráticas emergiram. O vírus é uma ameaça, é
certo. Mas o pacto é para a abordagem ao após vírus. E até agora não se
compreende o que é que está em cima da mesa para proporcionar o acordo.
(Na
fotografia da EFE que abre o post, ressalta o espírito jovial do saudoso Ramón
Tamames)
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