sábado, 25 de abril de 2020

ABRIL CONFINADO



(Para além das muitas e perversas interpretações sobre a controvérsia das comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República, o que conta para mim, para lá do dever de respeitar a data, é a empatia emocional com a mesma, que sentimos ou não. Este ano, em pleno confinamento, talvez a empatia de muitos seja perturbada. Mas, diria eu, em situação de emergência, mas com a democracia a funcionar, razões mais fortes existem para conservar essa empatia. Afinal, pela maneira relativamente equilibrada como estamos a gerir esta crise de saúde pública e pelas exigências democráticas que a superação da crise económica, vamos precisar da energia coletiva que Abril estimulou e que alguns souberam renovar ao longo do tempo.

Escrevo enquanto assisto online à Metropolitan Opera At-Home Gala (www.metopera.org) que simbolicamente inscreve o Abril Confinado de hoje num contexto de que não tínhamos experiência. Comemorar algo que pertence ao nosso coletivo recente num contexto de padecimento largamente partilhado por todo o mundo, embora estejamos em diferentes estádios de manifestação da pandemia.

Deste dia fica-me o excelente discurso de Marcelo, fazendo boas almas meter a violinha no saco quando à prescindibilidade da data e da comemoração, remetendo tal hipótese para o nível da “vergonha cívica”. Bastaria tal nota para justificar a comemoração. Cerimónia contida, seguindo escrupulosamente as regras da disciplina sanitária, honrando um Parlamento que se tem mantido sereno apesar de alguns discursos incendiários, temos gente.

Quanto ao simbolismo da Grândola das 15 horas é difícil em confinamento perceber qual foi a adesão real à ideia da Associação 25 de abril. Os portugueses só muito raramente se libertam totalmente para este tipo de manifestações. As reportagens televisivas são sempre insuficientemente ilustrativas, mas vi sinais de empatia, embora sem poder associar-lhe qualquer ideia de representatividade. Na RTP ressaltou sobretudo o contraponto entre os rostos de Jerónimo de Sousa e de Catarina Martins (duas gerações) interpretando na varanda e janela, respetivamente, das suas sedes em Lisboa, a canção de Zeca Afonso. Uma unidade apenas simbólica à esquerda, já o sabemos. Gostaria de ter visto no confronto algum dirigente do PS.


A tarde cai e, sob o comando do Diretor-geral do MET Peter Gelb e  do Diretor musical Yannick Nézet-Séguin, a gala do MET partilhada das casas de algumas das vozes mais representativas da ópera contemporânea, Roberto Alagna e Aleksandra Kursak em La Raincy (França), Renée Fleming na Virgínia (USA), Jonas Kauffman em Munique, Erin Morley em New Haven, Elīna Garanča em Riga na Letónia, Sir Bryn Terfel no País de Gales, Sonya Yoncheva em Genebra, René Pape em Berlim, Diana Dacrau em Orange França, Anne Nebretko em Viena (infelizmente pré-gravado) e muitos outros, é a companhia ideal para fechar o Abril confinado em partilha com o mundo da sensibilidade.

Graças ao Raul Calado que anunciou e apresentou o evento no Expresso Revista.

Sem comentários:

Enviar um comentário