quinta-feira, 16 de abril de 2020

TESTEMUNHOS (10)



(O post também poderia intitular-se “Destempero político”. O tom jocoso e sibilino do cronista é conhecido e tenho-o divulgado aqui com frequência. Mas dá uma ideia que julgo fidedigna da tragédia política em que a Espanha está mergulhada.

O paroxismo unitário emerge, finalmente, quando o corpo eleitoral pensa que votar é semelhante a jogar ao póquer e que se pode fazer bluff com total independência das cartas que temos na mão. Porque, pondo uma cara de mármore fria, sem evidenciar nenhum sinal de medo, sempre é possível ganhar: no póquer porque os adversários passam; em política porque se entende que a unidade é sempre possível e tudo resolve. Por isso estamos tão tranquilos. Porque tendo gerado um país ingovernável e um Governo com duas cabeças, com uma maioria parlamentar cheia de traidores e cantarolas, resgatamos o mito da unidade de ação, juntamos Pablo Iglésias com Cayetana Álvarez de Toledo, Sánchez com Abascal, Torra com Arrimadas, Yolanda Diáz com Cadado, Puigdemont com Marlaska e Rufián com Margarita Robles, pomos sal e pimenta, a pérola no fogo, a batedeira a funcionar e … governem que o coronavírus está aí!

Mas o que se passa connosco? Que conceito temos de governo, democracia, pluralismo, oposição, sistema, debate e modelo socioeconómico? A verdade é que disso não sabemos nada, nem nos importa. Primeiro fazemos o que nos dá na real gana e montamos uma infame bacia de hidromassagem. E quando chega o vírus atiramos tudo pela borda fora e pomo-nos a rezar ao deus da unidade destruída. Pois continuemos assim, vizinhos, que com o tempo se aprende.” (Xosé Luís Barreiro-Rivas, Voz de Galicia) (link aqui).

Há tempo para tudo, para a experimentação política até. Mas há certamente limites para a escolha dos tempos e dos momentos. E temos um paradoxo: a Espanha golpeada de modo brutal por um adversário impiedoso e as forças políticas utilizando o adversário como saco de boxe para desentorpecer as forças em pleno confinamento. Pode ser que a nossa conjuntura política se deteriore nos próximos tempos e que até, oxalá que não, António Costa governe para a história e não para um novo ciclo de afirmação do PS como o merecia por mais adversários obtusos se atravessem no caminho. Mas de uma vez por todas termos um PSD dirigido por Rui Rio a travar a virulência política maldosa e sem quartel é cá uma bênção de circunstância! E que o Bloco continue a morder nos calcanhares à esquerda do PS é bom que assim seja e por muito tempo. Como tenho dito não temos cá dentro um PODEMOS e os nacionalismos não nos apoquentam. Mas quando vemos a Espanha a golpear-se e a ser golpeada apetece dizer, desta vez tivemos sorte.

Como pano de fundo a curva dos mortos diários por coronavírus em Espanha e até o nosso Luís Sepúlveda se foi para mal dos seus livros que se quedarão nas nossas estantes desamparados.

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