(Reflexões algo nostálgicas sobre uma Páscoa estranha, de
silêncio cúmplice. Mas também uma reflexão sobre as
pequenas coisas que alimentam os nossos rituais.
Imagino que,
sobretudo para aqueles cujas convicções e fé religiosas são mais intensas, a
Páscoa não possa ser dissociada de uma sucessão de atos litúrgicos que evoluem
em correspondência com o ritmo da natureza. Xosé Luís Barreiro-Rivas, de
profunda cultura religiosa, descreve assim essa sequência: “(…) Por isso me detenho, por dever e prazer, nos marcos e
liturgias do calendário cristão: o Corpo de Cristo e o S. João no solstício de
verão; as romarias da Virgem a partir de 15 de agosto até ao equinócio de
outono; Todos os Santos e Fiéis Defuntos por volta de novembro; o Natal no
solstício de inverno; e a Semana Santa na primavera” (link aqui).
No meu caso, sem convicções
religiosas muito arreigadas, talvez a sequência dos rituais da natureza seja a
que melhor enquadra a minha perceção da Páscoa. Que já viveu melhores dias em
termos de vivência das ruas, seja nos territórios e cidades mais densas (nas
quais os compassos começaram a escassear e a encontrar portas e portões cada
vez mais fechados e casas vazias), seja nas aldeias ou cidades menos densas,
onde resistiram mais, mas também foram agonizando.
As memórias que tenho
ainda bem conservadas são as de algumas Páscoas passadas em Seixas -Caminha,
sobretudo nos tempos em que o entusiasmo pelo condomínio estava mais intenso. Regra
geral era um período em que as sete casas estavam ocupadas. E nestas terras a
tradição era para respeitar, por isso todas recebiam o compasso, que era acompanhado
de um séquito de, para representantes de associações ligadas à paróquia, pedindo
ajudas e contributos que o padre referia não ser para a Igreja e por isso dava
lugar a mais uma ajuda monetária. Era dos raros momentos em que, para além de
prestações de serviços diversas, os residentes contactavam com os visitantes de
fim de semana, férias ou pequenos períodos de permanência. E estes últimos
também não ficavam bem vistos se não pagassem um ou dois foguetes lançados por um dos
acompanhantes de não numeroso séquito.
Era frequente cada um
dos moradores acompanhar o compasso na sua entrada nas restantes e aí a memória
das mesas fartas dos meus vizinhos da Meadela em Viana do Castelo ainda permanece.
Umas empadinhas de lampreia, melhores dos que as do célebre Natário em Viana do
Castelo, permanecem vivas no meu palato, símbolo de um tempo que dificilmente
voltará.
Mas a recordação mais
forte dessas Páscoas era elas coincidirem com a pujança das aleluias, que este
ano o confinamento me furtou, e o florescer do verde dos carvalhos. Por vezes
registavam-se desconformidades de calendários e de rituais da natureza, mas
regra geral essas Páscoas coincidiam com essas duas imagens de Seixas e é delas
que sinto mais falta este ano. E dos livros (muitos) e dos discos (poucos) que
por lá estão retidos e que me fazem sentir dividido. Uma certa nostalgia espreita.
Mas amanhã o trabalho já emerge de novo e mais Páscoas haverá para ver a
pujança das aleluias e a explosão do verde dos carvalhos.
Feliz Páscoa para todos,
confinada é certo, mas ao serviço do “achatamento das curvas”.
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