(É inevitável que, à medida que a pandemia evolui, os
diferentes contextos políticos em que a sua incidência se manifesta nos
interpelem como mais uma variável explicativa das diferentes respostas e
resultados em matéria de combate à mesma. A situação política em Espanha destaca-se nessa interpelação e não
necessariamente pelas melhores razões.
Um dos meus constitucionalistas e intelectuais
de estimação em Espanha, o catalão Francesc Carreras, cujo bom senso e
profundidade de pensamento deveriam ser mais ouvidos aqui ao lado, avançava
ontem com dados bastante impressivos de uma sondagem recente. 92% dos espanhóis
inquiridos afirmavam que aprovariam a celebração de um pacto entre as forças
políticas espanholas para uma abordagem mais consistente à crise sanitária e económica,
mas 72% afirmavam também que não seria possível concretizar tal pacto.
A lucidez dos inquiridos é impressionante. As
percentagens resistem a todas as dúvidas que este tipo de sondagens nos
levanta. Tal lucidez resulta de evidências sólidas sentidas no dia a dia das
aflições pelos espanhóis em geral. Não têm origem em simples caprichos
políticos de uma Espanha entrincheirada nas suas convicções e profundamente
dividida entre os que prezam o “espanholismo” (não necessariamente “madridismo”)
e os que não desistem da sua identidade regional e da Espanha das nações. Não é
fácil imaginar processo mais atribulado de formação de um governo e de assomo
de uma maioria parlamentar do que o registado em Espanha com a constituição do
atual governo chefiado por Pedro Sánchez. Nem o recurso à memória da
constituição de governos na Bélgica e das últimas coligações na Alemanha permite
encontrar referenciais similares.
Poder-se-ia dizer que a questão
territorial em suspenso em Espanha é uma fonte permanente de agitação, de
imprevisibilidade, de caprichos de momento e da barganha política mais
inconsequente. Tal tensão não desapareceu com os números trágicos que a
pandemia tem provocado em Espanha. Mas ousaria dizer que, neste momento, não é
essa a maior fonte de tensão. A aliança e coligação PSOE-PODEMOS tem-se
projetado como a principal fonte de alimentação das derivas sucessivas e de uma
forma errática de governar. Se há período em que a governação errática se pode
pagar caro, não só internamente na gestão da crise, mas também a nível europeu
para forçar uma solução mais solidária, é o de uma pandemia com a tragédia
destes números. Se bem que o PODEMOS seja, frequentemente, mais oposição do que
governo, a verdade é que também a oposição atual não vive momentos compatíveis
com a dimensão e gravidade dos acontecimentos. O sistema político espanhol
ainda não conseguiu digerir a emergência da extrema-direita do VOX. E isso transmite-se ao comportamento pavlovliano do PP, já que o CIUDADANOS
de Inés Arrimadas (quanta promessa fugaz!) está em reconstrução e estará por
muito tempo, antecipo eu.
Pedro Sánchez apelou ontem à oposição espanhola que olhasse para Portugal e
aqui visse um exemplo. É um apelo um pouco patético. A relação entre governo e
oposição é dialética. Um governo PSOE-PODEMOS não é nem por sombras algo de
similar a um governo PS nos termos concretos em que tem mantido coerência na
abordagem à crise. Mesmo tendo em conta algumas tropelias e desvarios
parlamentares que, por vezes, poucas é verdade, Bloco de Esquerda e PCP protagonizam,
o seu contributo para uma maioria parlamentar é incomparavelmente mais
confiável do que a presença no governo do PODEMOS e do que a abertura negocial
dos nacionalismos regionais. E, não menos importante, por muito que aprecie a
resiliência política de Pedro Sánchez, a sua consistência política está ainda a
alguns anos-luz da experiência de António Costa.
Imagino a frustração dos espanhóis que se manifestaram na sondagem referida
por Francesc Carreras, flutuando entre o reconhecimento da necessidade de um
pacto e a perceção de que ele é inviável. Não imagino o que poderão ser os
novos Pactos de Moncloa que Sánchez pretende desesperadamente propor às forças
políticas espanholas. No caso italiano, a virulência dos efeitos da pandemia
pode reportar-se a situações de excecionalidade sanitária aparentemente sem
ligação segura com a situação política italiana. No caso de Espanha, pelo
contrário, não estou seguro de que a fragilidade governativa não seja uma
variável relevante para compreender tamanha dimensão de efeitos. Já no campo
regional, a resposta da Galiza à pandemia, até agora bem-sucedida, anuncia que
muito provavelmente Feijoo terá garantido a permanência do PP no poder e
veremos se a manutenção da maioria absoluta.
Toda esta construção não envolve ainda os resultados da resposta à recessão
económica e a complexa gestão das condições de saída do confinamento.
A situação da França fica para um outro post. O Macron que
precisávamos para os combates da União Europeia, sólido e confiante, chega ao
combate esgotado por uma situação interna que começou com os “Gilets jaunes” e
que agora se prolonga por uma situação sanitária, não tão preocupante quanto pode
ser a do Reino Unido, mas que começa também a assumir proporções muito
gravosas.
Hoje, mercê de uma alteração de critério de registo
de casos infetados que segundo entendi passa apenas a considerar casos mais
severos, a França disparou para o primeiro lugar em termos de taxa de letalidade
de infetados.
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