quinta-feira, 9 de abril de 2020

PANDEMIA POLÍTICA


(É inevitável que, à medida que a pandemia evolui, os diferentes contextos políticos em que a sua incidência se manifesta nos interpelem como mais uma variável explicativa das diferentes respostas e resultados em matéria de combate à mesma. A situação política em Espanha destaca-se nessa interpelação e não necessariamente pelas melhores razões.

Um dos meus constitucionalistas e intelectuais de estimação em Espanha, o catalão Francesc Carreras, cujo bom senso e profundidade de pensamento deveriam ser mais ouvidos aqui ao lado, avançava ontem com dados bastante impressivos de uma sondagem recente. 92% dos espanhóis inquiridos afirmavam que aprovariam a celebração de um pacto entre as forças políticas espanholas para uma abordagem mais consistente à crise sanitária e económica, mas 72% afirmavam também que não seria possível concretizar tal pacto.

A lucidez dos inquiridos é impressionante. As percentagens resistem a todas as dúvidas que este tipo de sondagens nos levanta. Tal lucidez resulta de evidências sólidas sentidas no dia a dia das aflições pelos espanhóis em geral. Não têm origem em simples caprichos políticos de uma Espanha entrincheirada nas suas convicções e profundamente dividida entre os que prezam o “espanholismo” (não necessariamente “madridismo”) e os que não desistem da sua identidade regional e da Espanha das nações. Não é fácil imaginar processo mais atribulado de formação de um governo e de assomo de uma maioria parlamentar do que o registado em Espanha com a constituição do atual governo chefiado por Pedro Sánchez. Nem o recurso à memória da constituição de governos na Bélgica e das últimas coligações na Alemanha permite encontrar referenciais similares.

Poder-se-ia dizer que a questão territorial em suspenso em Espanha é uma fonte permanente de agitação, de imprevisibilidade, de caprichos de momento e da barganha política mais inconsequente. Tal tensão não desapareceu com os números trágicos que a pandemia tem provocado em Espanha. Mas ousaria dizer que, neste momento, não é essa a maior fonte de tensão. A aliança e coligação PSOE-PODEMOS tem-se projetado como a principal fonte de alimentação das derivas sucessivas e de uma forma errática de governar. Se há período em que a governação errática se pode pagar caro, não só internamente na gestão da crise, mas também a nível europeu para forçar uma solução mais solidária, é o de uma pandemia com a tragédia destes números. Se bem que o PODEMOS seja, frequentemente, mais oposição do que governo, a verdade é que também a oposição atual não vive momentos compatíveis com a dimensão e gravidade dos acontecimentos. O sistema político espanhol ainda não conseguiu digerir a emergência da extrema-direita do VOX. E isso transmite-se ao comportamento pavlovliano do PP, já que o CIUDADANOS de Inés Arrimadas (quanta promessa fugaz!) está em reconstrução e estará por muito tempo, antecipo eu.

Pedro Sánchez apelou ontem à oposição espanhola que olhasse para Portugal e aqui visse um exemplo. É um apelo um pouco patético. A relação entre governo e oposição é dialética. Um governo PSOE-PODEMOS não é nem por sombras algo de similar a um governo PS nos termos concretos em que tem mantido coerência na abordagem à crise. Mesmo tendo em conta algumas tropelias e desvarios parlamentares que, por vezes, poucas é verdade, Bloco de Esquerda e PCP protagonizam, o seu contributo para uma maioria parlamentar é incomparavelmente mais confiável do que a presença no governo do PODEMOS e do que a abertura negocial dos nacionalismos regionais. E, não menos importante, por muito que aprecie a resiliência política de Pedro Sánchez, a sua consistência política está ainda a alguns anos-luz da experiência de António Costa.

Imagino a frustração dos espanhóis que se manifestaram na sondagem referida por Francesc Carreras, flutuando entre o reconhecimento da necessidade de um pacto e a perceção de que ele é inviável. Não imagino o que poderão ser os novos Pactos de Moncloa que Sánchez pretende desesperadamente propor às forças políticas espanholas. No caso italiano, a virulência dos efeitos da pandemia pode reportar-se a situações de excecionalidade sanitária aparentemente sem ligação segura com a situação política italiana. No caso de Espanha, pelo contrário, não estou seguro de que a fragilidade governativa não seja uma variável relevante para compreender tamanha dimensão de efeitos. Já no campo regional, a resposta da Galiza à pandemia, até agora bem-sucedida, anuncia que muito provavelmente Feijoo terá garantido a permanência do PP no poder e veremos se a manutenção da maioria absoluta.

Toda esta construção não envolve ainda os resultados da resposta à recessão económica e a complexa gestão das condições de saída do confinamento.

A situação da França fica para um outro post. O Macron que precisávamos para os combates da União Europeia, sólido e confiante, chega ao combate esgotado por uma situação interna que começou com os “Gilets jaunes” e que agora se prolonga por uma situação sanitária, não tão preocupante quanto pode ser a do Reino Unido, mas que começa também a assumir proporções muito gravosas.



Hoje, mercê de uma alteração de critério de registo de casos infetados que segundo entendi passa apenas a considerar casos mais severos, a França disparou para o primeiro lugar em termos de taxa de letalidade de infetados.

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