quinta-feira, 30 de abril de 2020

PROFESSORES



(Uma das prováveis consequências do vendaval pandémico que estamos a enfrentar é a ocorrência de mudanças no reconhecimento, ia dizer valor, social de alguns agentes e profissões. Tenho a perceção de que algo vai acontecer quanto ao reconhecimento social do papel dos professores, se não fora por outros motivos pelo facto de alunos e famílias aumentarem os seus níveis de convivência comum em torno da Escola e das aprendizagens.

Tenho insistido na ideia de que nunca deveremos esquecer o contexto de desigualdade em que as práticas educativas acontecem, o que condiciona fortemente os seus resultados, e o seu recrudescimento em tempos de invenção e adaptação pedagógicas. No pressuposto de que não o esquecemos e que as políticas públicas intervirão futuramente no sentido de recriar melhores condições de equidade na aprendizagem, tenho a perceção de que estão a acontecer coisas de grande alcance nas práticas educativas que tem sido possível concretizar em tempo de pandemia e confinamento. Claro que existe sempre o enviesamento de tentar generalizar a partir do que nos é mais próximo. É também óbvio que as famílias com condições logísticas e de organização do seu próprio trabalho desempenham um papel crucial na função acompanhamento, antes exercida pelos professores em contexto de sala de aula. É também possível que o ensino à distância tenha induzido alguns professores a perder o equilíbrio nas cargas de trabalho exigidas aos alunos. Tudo isso é admissível e tenho ecos de que não o devemos ignorar. Mas que há coisas importantes a acontecer no âmbito de todo este processo adaptativo parece-me evidente, pelo menos do ponto de vista do meu universo de referências.

Um dos elementos virtuosos da adaptação que tem vindo a corporizar o esforço coletivo é o da criação de condições para uma mais razoável capacitação de alunos do ponto de vista da autoformação. Gostaria de ter elementos mais minuciosos para verificar se esta tendência está a disseminar-se por todos os níveis de ensino. Mas ao contrário da tendência que alimentámos ao longo do muito tempo, os tempos de adaptação e criatividade de hoje geram por inerência o estímulo ao trabalho pessoal do aluno. Estamos no bom caminho e sou dos que penso que esse trabalho pessoal é crucial para os alunos ganharem confiança e perceberem que o trabalho compensa. Espero sinceramente que estas condições permitam com os investimentos adequados em termos de metodologias pedagógicas que o ensino em Portugal passe a valorizar mais a criatividade, a resolução de problemas, a autoformação e a organização do trabalho pessoal.

Mas antecipo também que todo este processo adaptativo de aprendizagem nos conduzirá a uma recuperação pelo menos parcial do reconhecimento do papel dos professores. É verdade que qualquer patetice governamental ou sindical conducente a novas derivas de negociação pode perturbar a recuperação desse conhecimento. Mas apesar desse risco acho que os professores vão subir lugares na escala do reconhecimento do seu papel essencial. As crianças e os alunos em geral vão ser os portadores da mensagem junto das famílias.

Percorrendo matinalmente o New York Times que gostaria ainda, já na onda dos setenta, poder ler em papel numa cafetaria de Greenwhich, Tribeca ou das imediações do Central Park em Nova Iorque com American cofee e apple pie, encontrei esta bela referência ao papel dos professores, que é uma boa forma de enriquecer o meu ponto:

“Os professores são os agrupadores (coletores) originais. Têm a responsabilidade de reunir um grupo e de pensar como criar uma experiência para o todo, dia a dia. E os professores estão no mundo da transformação. No fim de cada ano letivo, é pressuposto que os jovens saiam mudados.
É uma tarefa de grande exigência – particularmente agora, quando somos obrigados a limitar o que podemos fazer em conjunto e que estamos a ensinar no Zoom”.
(link aqui)

É bonito e tenho grandes saudades dos meus tempos letivos de então, sem pandemia.

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