(Khalid Cherradi, https://www.cartoonmovement.com)
Há um registo recente que não quero aqui deixar passar em claro: o dos desenvolvimentos ocorridos no mercado petrolífero nas últimas semanas. E o certo é que há sínteses que pela sua capacidade descritiva dispensam quaisquer esforços de inventividade para apontar o essencial na matéria em causa, e esse foi o caso de um dos résumés matinais da “The Economist” – que rezava assim, em dois tempos:
· “Se precisássemos de outro sinal de que a economia global foi virada de cabeça para baixo, ele veio na Segunda-Feira quando o preço do petróleo nos EUA se tornou negativo pela primeira vez na história. A produção excessiva diante da baixa procura global sobrecarregou a capacidade crucial de armazenamento, forçando os vendedores a pagar aos compradores para que lhes tirassem o petróleo extra das mãos. O jogo da galinha à escala global entre os produtores de petróleo resultou num crash.”
· “A crise do petróleo é principalmente human-made. Enquanto os confinamentos por coronavírus achataram o consumo de petróleo, o vasto excesso de oferta global decorre de uma guerra de preços liderada pela Arábia Saudita e pela Rússia. O acordo do presidente Donald Trump no sentido de uma redução da produção provou ter chegado tarde demais e ter sido demasiado pequeno. Em resultado, um enorme e desnecessário golpe na economia global e um setor de petróleo dos EUA a enfrentar um futuro ainda mais incerto.”
Os gráficos seguintes são alguns dos mais representativos que me passaram pela mão nestes dias, sendo claro que eles convergem nos elementos mais relevantes, embora possam divergir nas suas opções formais ou em termos da periodização retida. Vejamos, no tocante aos preços: enquanto o primeiro evidencia que eles estão ao nível de há 160 anos atrás, os segundos salientam o mais baixo registo histórico de sempre (como aliás também em termos de procura); deles decorre ainda a clara perceção de que esta crise em nada se assemelha a anteriores, trate-se dos anos pré-OPEP, dos tempos dos “saudosos” choques petrolíferos dos anos 70 do século passado, dos efeitos dos variados conflitos bélicos subsequentemente ocorridos no Médio Oriente ou da mais recente crise financeira. Por outro lado, observou-se também um outro fenómeno inédito no mercado petrolífero com o preço do barril a ter chegado a atingir valores negativos na negociação em Nova Iorque (refletindo, numa lógica de futuros para entregas em maio, quanto a pandemia se refletiu num colapso da procura de crude e numa consequentemente expectável dificuldade de armazenamento de excedentes significativos por parte dos produtores). Tudo isto sem esquecer uma componente largamente política que desde sempre enforma o mercado em causa, ainda que com variabilidades conjunturais marcantes, como aliás ficou à vista no braço-de-ferro que precedeu os episódios aqui assinalados empiricamente entre a Arábia Saudita e a Rússia.
Um apontamento final e complementar, que tende a ganhar especial sentido perante o terrível impacto da presente crise em toda a parte do mundo, é o da confirmação da embaraçosa situação que se depara aos países com economias largamente dependentes do petróleo. Os gráficos finais deste post ilustram-na bem, quer no plano da contração estimada para essas economias quer no plano da forte e assustadora ligação entre o curso do crude e a sustentação das suas contas públicas (breakeven orçamental altamente funcionalizado ao preço do barril), tudo prenunciando maus bocados a irem ser vividos naquelas paragens.
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