terça-feira, 28 de abril de 2020

A ARTE DO PRESENTE

(New York Times)

(Tenho uma especial obsessão por viver momentos à escala global, no seu tempo real e não recorrendo a gravações ou interrupções. Uma boa parte da minha tarde de sábado de 25 de abril passeia-a deslumbrado seguindo a gala at-home do MET em Nova Iorque, a que já me referi em post anterior. À falta de melhor, chamo-lhe a arte do presente, com todo o significado equívoco que ela assume quando não a podemos usufruir ao vivo.

As cerca de quatro horas do meu confinamento que o MET me ajudou a passar, usufruindo da imagem irrepreensível do meu Mac Pro, que reservo para estas ocasiões, são do melhor que uma casa como o MET podia engendrar para manter viva uma instituição privada, que não recebe um tostão do governo federal como o Raul Calado nos alertava no Expresso Revista. Para além dos momentos pré-gravados de grande expressividade, os momentos orquestrais e corais (sim o Va Pensiero para levantar o ânimo dos confinados de todo o mundo) e as atuações da meio soprano Joyce di Donato com um grupo de cordas da orquestra do MET a cantar Handel em homenagem a Vincent Lionti, um músico da orquestra falecido por coronavírus, e a atuação final da diva Anna Netrebko a interpretar uma canção de Rachamaninov, a diferença esteve na informalidade das interpretações a partir das casas dos intérpretes. O que é uma ideia sublime em termos de suavização do confinamento. As situações foram diversas e calorosas. Desde os que preferiram acompanhar-se a si próprios ao piano, sobretudo, caso de uma excedível Erin Morley em New Haven, à informalidade dos casais intérpretes (ambos cantores ou músicos simplesmente) e ao ambiente das casas e ambientes escolhidos, em alguns casos com filhos e famílias à mistura, o ambiente era de felicidade em confinamento. A partir do seu apartamento em Nova Iorque, em que a tragédia se instalou, o diretor do MET Peter Gelb em articulação com o diretor musical Yannique Nézet-Seguin em Montréal dirigiu as quatro horas com uma rara sensibilidade como se de uma conversa entre amigos à lareira se tratasse.

O confinamento está a mexer com a minha emotividade. Nas quatro horas de presença global em frente ao ecrán do Mac, a interpretação de Renée Fleming da Avé Maria de Verdi no Otello tocou-me . 


Permanecendo nesse tom de sensibilidade, deixo-vos uma outra Ave Maria, de Schubert (como não podia deixar de ser, pois tenho-o ouvido incessantemente por estes dias), também de Renée Fleming acompanhada ao piano por Evgeny Kissin, que já ouvi em palco. Kissin e Fleming tinham uma tournée por esse mundo e quiseram oferecer-nos na impossibilidade de a concretizar um momento de felicidade (link aqui).

Há dois artigos no New York Times que vos ajudam a perceber a grandiosidade daquelas quatro horas: um sobre a preparação do evento, de Joshua Barone (link aqui) e outro sobre o evento após a sua realização de Anthony Tommasinni (link aqui).

Sem comentários:

Enviar um comentário