(New York Times)
(Tenho uma especial obsessão por viver momentos à escala
global, no seu tempo real e não recorrendo a gravações ou interrupções. Uma boa
parte da minha tarde de sábado de 25 de abril passeia-a deslumbrado seguindo a
gala at-home do MET em Nova Iorque, a que já me referi em post anterior. À falta de melhor, chamo-lhe a arte do presente, com todo o significado
equívoco que ela assume quando não a podemos usufruir ao vivo.
As cerca de quatro
horas do meu confinamento que o MET me ajudou a passar, usufruindo da imagem
irrepreensível do meu Mac Pro, que reservo para estas ocasiões, são do melhor
que uma casa como o MET podia engendrar para manter viva uma instituição privada,
que não recebe um tostão do governo federal como o Raul Calado nos alertava no
Expresso Revista. Para além dos momentos pré-gravados de grande expressividade,
os momentos orquestrais e corais (sim o Va Pensiero para levantar o
ânimo dos confinados de todo o mundo) e as atuações da meio soprano Joyce di
Donato com um grupo de cordas da orquestra do MET a cantar Handel em homenagem
a Vincent Lionti, um músico da orquestra falecido por coronavírus, e a atuação
final da diva Anna Netrebko a interpretar uma canção de Rachamaninov, a
diferença esteve na informalidade das interpretações a partir das casas dos
intérpretes. O que é uma ideia sublime em termos de suavização do confinamento.
As situações foram diversas e calorosas. Desde os que preferiram acompanhar-se
a si próprios ao piano, sobretudo, caso de uma excedível Erin Morley em New Haven,
à informalidade dos casais intérpretes (ambos cantores ou músicos simplesmente)
e ao ambiente das casas e ambientes escolhidos, em alguns casos com filhos e
famílias à mistura, o ambiente era de felicidade em confinamento. A partir do
seu apartamento em Nova Iorque, em que a tragédia se instalou, o diretor do MET
Peter Gelb em articulação com o diretor musical Yannique Nézet-Seguin em
Montréal dirigiu as quatro horas com uma rara sensibilidade como se de uma
conversa entre amigos à lareira se tratasse.
O confinamento está a
mexer com a minha emotividade. Nas quatro horas de presença global em frente ao
ecrán do Mac, a interpretação de Renée Fleming da Avé Maria de Verdi no Otello
tocou-me .
Permanecendo nesse
tom de sensibilidade, deixo-vos uma outra Ave Maria, de Schubert (como não
podia deixar de ser, pois tenho-o ouvido incessantemente por estes dias), também
de Renée Fleming acompanhada ao piano por Evgeny Kissin, que já ouvi em palco.
Kissin e Fleming tinham uma tournée por esse mundo e quiseram oferecer-nos na
impossibilidade de a concretizar um momento de felicidade (link aqui).
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