(Oliver Schopf, https://derstandard.at)
Após o desastroso Conselho Europeu de 26 de março, houve evoluções de vário tipo no quadro comunitário. Destaco, no plano do discurso, a limitada retratação do ministro holandês das Finanças e os ziguezagues da presidente da Comissão Ursula von der Leyen (iniciados com as já aqui referenciadas declarações à agência noticiosa alemã DPA qualificando os chamados coronabonds de mero slogan e prosseguidos com sucessivas tentativas declarativas e decisionais visando arrepiar caminho e dar uma impressão de retoma de algum sentido de solidariedade europeia a nortear a sua liderança – tudo culminando em dois momentos profissionalmente comunicados: (i) uma iniciativa de constituição de “um novo instrumento de solidariedade” (SURE) visando a preservação dos postos de trabalho e da capacidade produtiva com base num desenho inspirado em esquemas de trabalho de curta duração apoiados pelo Estado que foram introduzidos em vários países do Norte da Europa na última crise, cabendo à Comissão a mobilização nos mercados de capitais de um “envelope robusto” (até 100 mil milhões de euros) mediante garantias dos Estados membros (cobertura de, pelo menos, 25 mil milhões de euros e esforço de cada país em termos proporcionais ao peso da sua economia), podendo depois os Estados candidatar-se a empréstimos para financiarem as suas medidas de apoio às empresas que salvaguardem o seu quadro de pessoal; (ii) uma catadupa de aparições públicas, com realce para a “carta aos italianos” publicada no “La Repubblica” onde reconhece que a UE “teve um comportamento danoso que podia ter sido evitado” e para a incumprível promessa de que “o próximo quadro financeiro plurianual deve ser o nosso Plano Marshall”. Esperemos pelos próximos capítulos, mas...
Entretanto, não queria deixar passar em claro dois apontamentos que julgo merecedores de arquivo para memória futura. O primeiro tem a ver com o editorial do “Le Monde” de 28 de março (“Um momento de verdade para a Europa”), que rezava assim:
“A amplitude da crise desencadeada pela pandemia de Covid-19 será fatal para o projeto europeu ou, pelo contrário, incitará os 27 a consolidarem a sua união? Esta é a alternativa perante a qual estão colocados os seus dirigentes, face a um choque económico que se anuncia como o mais violento que a União Europeia (UE) terá conhecido desde a sua criação. Na sequência da Cimeira Europeia que se realizou na Quinta-Feira 26 de março, por videoconferência, eles deram-se duas semanas para responder àquele desafio existencial.
Enquanto que a Itália e a Espanha estão em plena aflição para gerirem a crise sanitária, que a França vê chegar com angústia o pico da epidemia dentro de alguns dias, que o limite dos 15 mil mortos acaba de ser atingido na Europa, que um pouco por toda a parte a atividade económica está paralisada, que milhões de empregos estão ameaçados, os Estados membros estão neste estágio incapazes de forjar uma resposta comum e maciça para sustentar os países mais em dificuldade. O prazo que se deram para encontrarem uma resposta económica à altura mostra que as divisões permanecem profundas.
No entanto, as linhas mexeram-se enormemente nestes últimos dias. O Banco Central Europeu anunciou que estaria pronto a resgatar dívida dos Estados por 1100 mil milhões de euros. O jogo do Pacto de Estabilidade limitador dos défices orçamentais foi posto entre parêntesis. Mas, por mais que sejam necessários, estes avanços não serão suficientes enquanto não forem completados por uma ação coordenada dos Estados membros.
Desde a crise das dívidas soberanas de 2011, a moral desempenhou um papel central no despoletar dos mecanismos de solidariedade financeira entre os membros da Zona Euro. Os Estado mais virtuosos no plano orçamental não aceitavam vir em socorro dos mais desmunidos por razões de má gestão a não ser em troca de reformas estruturais dirigidas a fazê-los regressar ao caminho devido. A crise do coronavírus deve levar os dirigentes europeus a mudarem de software para, finalmente, implementarem uma verdadeira solidariedade, destituída de pensamentos ocultos.
O choque sanitária e económico toca sem exceção todos os países da Zona Euro, sem que qualquer um deles seja por ele responsável de um ou outro modo. Estas circunstâncias excecionais devem incitar os seus dirigentes a lançarem rapidamente as bases de uma nova coesão. Esta passa obrigatoriamente por uma mutualização dos esforços que terão de ser consentidos para a absorção do choque.
Nove países, entre os quais a França, pressionam no sentido da emissão de obrigações europeias. Estes ‘coronabonds’ permitiriam que aos países já sem qualquer margem de manobra para contraírem empréstimos se endividassem a mais baixo custo, graças à garantia dos Estados mais sólidos, como a Alemanha, a Holanda e a Áustria. Inaceitável, respondem estes, temendo uma engrenagem perigosa para os seus próprios equilíbrios.
Para ultrapassar este bloqueio, a porta de saída consiste em recorrer ao Mecanismo Europeu de Estabilidade. Este fundo de 410 mil milhões de euros, constituído sob o élan da crise do euro, constitui uma solução imperfeita. Mas, uma vez adaptado às circunstâncias atuais, ele representaria um esboço encorajador de solidariedade europeia, na perspetiva de se ir mais longe quando os espíritos estiverem maduros. Os países que estimam que o preço da solidariedade é demasiado elevado devem colocar-se a questão do custo de um provável deslocamento da União. Nesta crise do coronavírus, a UE, também ela, joga a sua sobrevivência.”
O segundo tem a ver com a excelente entrevista do governador do Banco de Portugal ao “Expresso”, a qual está aliás bastante em linha com o texto anterior (embora seja necessariamente mais técnica e rigorosa). Abaixo deixo um excerto que não dispensa o interesse da leitura integral. Sendo que o debate, quer na dimensão teórica-académica quer na dimensão prático-política, está em ponto de rebuçado, trazendo-nos diariamente novas e altamente estimulantes incursões de reflexão sobre a matéria e suas adjacências – a elas continuarei atento e delas reportarei o que me for permitido.
Sem comentários:
Enviar um comentário