quinta-feira, 30 de abril de 2020

APROXIMANDO AO SUBSTANTIVO


Já aqui foi elogiada a atuação do ministro da Economia nesta crise pandémica, caraterizando-o aliás como uma espécie de oásis que emergiu num relativo deserto envolvente. Não obstante, quando li um artigo de Francisco Louçã (FL) no “Expresso Diário” que lhe é criticamente dirigido em razão da sua declaração em entrevista à RTP segundo a qual despesas do Estado hoje são impostos amanhã, não pude deixar de, por um lado, aceitar que FL tem um ponto a crédito da sua argumentação confrontativa (que chama inclusivamente a atenção para o facto de existir uma manifesta contradição entre aquela declaração e o posicionamento do primeiro-ministro de encarar a austeridade como uma má e irrepetível solução) e de, por outro, reconhecer que FL colocou na agenda um tema que bem mereceria um aprofundado, rigoroso e desapaixonado debate público.

Sem prejuízo, a perspetiva de FL não é isenta de uma indisfarçada marca político-ideológica e, nessa medida, não deixa de também encerrar um possível grau de simplificação facilitista – afirma ele: “como só a recuperação da economia poderia garantir o aumento da receita fiscal sem aumentar as taxas dos impostos, a chave para a salvação é manter o emprego, preservar a procura agregada, restabelecer as cadeias produtivas, ou seja, investir mais para evitar a queda”. Sendo ainda que tudo isto se insere num quadro em que, e demos as voltas que quisermos, o que vai estar aí ao virar da nossa esquina coletiva será uma imensa e terrível crise económica e social, necessariamente tradutível num desemprego sem paralelo e numa incontornável dose de austeridade, dois fenómenos cujos efeitos sempre se tentarão mitigar à outrance mas dominados por respostas (ou esforços nessa direção) obrigatoriamente atiradas para moldes muito defensivos e dependentes do modo como se comportarem várias causas exógenas (Europa incluída); a ser assim, como tudo indica, conheceremos um relançamento de lenta e difícil maturidade e com pressupostos de sucesso mínimo diretamente proporcionais a lograrem-se escapadelas conseguidas em relação a tentações primárias de recorrência e mais do mesmo, assentes em encomendas eminentemente corporativas e enviesadas pela força do lóbi, do imediatismo e do marketing político quando precisaríamos, ao invés, de explorar formas sólidas de criatividade “fora da caixa”, i.e., algo de que andamos largamente arredados desde há décadas e algo que não perscruto no horizonte ao meu alcance.

(a partir de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

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