(Ontem foi dia de ouvir a ciência falar, epidemiologistas,
virologistas, biólogos, especialistas de saúde pública, médicos especialistas,
matemáticos ao serviço da interpretação da pandemia. Sente-se um ar mais distendido e isso tende a afastar os hiperativos “Buescus”
deste país. Só por isso se respira (eu respiro) melhor. E agrada-me a sensatez
da mensagem que acompanha esta distensão. Parece que vamos ter “País”.
É para momentos como
o que vivemos que a massa cinzenta de um país é importante. Fico feliz com o
reconhecimento desse valor, até mediático porque não. Assim, por exemplo, o El
Español publica hoje (link aqui) uma excelente entrevista com a nossa presentemente
mais mediática investigadora, Maria Manuel Mota (nascida em Vila Nova de Gaia,
na Madalena, aqui ao pé), impulsionadora juntamente com a sua equipa e outras
equipas por esse país fora pelo novo teste rápido de despistagem do coronavírus
em utilização em Portugal. Esse teste poderá ser um instrumento decisivo para a
fase em que nos encontramos e já falaremos disso.
Pois alguns dos
homens de ciência que foram ontem ouvidos (e outros que têm escrito para o
público sobre a matéria para explicar e não descarregar a sua hiperatividade
malévola), apoiados nos seus modelos e saberes sugerem mesmo que já
provavelmente teremos passado o pico da pandemia em Portugal. Outros, mais
reservados, avançam que parece indiscutível estarmos a atravessar o tal “planalto”.
Uma coisa é de facto seguir a evolução da pandemia com o apoio de modelos e saber
especializado, outra coisa bem diferente é segui-lo com o recurso a um acompanhamento
elementar de curvas, diagramas e indicadores. É deste último modo que tenho
acompanhado, sem angústia, o evoluir da situação. E sem angústia porque tenho a
convicção de que ao contrário do que por vezes nos sucede, não reagimos tarde
ou pelo menos tarde demais. A metáfora utilizada pela Maria Manuel Mota na entrevista
ao El Español de que Portugal é a última paragem do metro europeu parece
que desta vez jogou a nosso favor e os dramas observados nas paragens
anteriores da Itália e da Espanha tiveram eco. Também eu me apercebi que a
probabilidade de estarmos num planalto, em que as taxas de crescimento do
número de infetados são relativamente constantes em torno de um valor médio não
muito alto, era elevada. A questão dos picos é mais sofisticada e deve ser
deixada aos especialistas. Mas picos de quê? Haverá pelo menos dois tipos de picos,
o de infetados e o de mortes. Para a quietude dos nossos nervos, é importante
saber que existe um “lag” temporal entre uns e outros, ou seja regra
geral, o pico mais ou menos achatado de mortes atinge-se depois do que o que respeita
ao número de infetados. E há ainda o outro indicador mais sofisticado, o
famigerado Ro que mede o número médio de contágios que um infetado tende a
gerar fruto da interação social. Os especialistas dizem que está a diminuir
acentuadamente e alguns indicam até que pode ser já neste momento inferior a 1.
Ou seja, o confinamento e a forte restrição da interação social estão a
funcionar e a serem eficazes. E essa parece ser a grande evidência da comparação
a nível mundial. Os países que a praticaram no tempo certo são os que apresentam
melhores indicadores. Temos mesmo a evidência de que os países que as aplicaram
com mais intensidade chegam a mesmo a avançar na eliminação do problema e não
apenas na sua contenção ou mitigação. A última evidência dessa certeza é a Nova
Zelândia, bem retratada aqui no Washington Post .
O
período em que a desaceleração do crescimento do número de infetados acontece
até serem atingidas taxas de crescimento negativas, isto é, até descer o número
absoluto de infetados é provavelmente o mais desafiador em termos de governança
e de regulação do comportamento social. Porquê? Pela simples razão de que
quanto mais eficaz e mais rápida na produção de efeitos for a estratégia de
confinamento maior é a massa de população que estará, em princípio, imunizada
face ao regresso do vírus. E surgem as dúvidas. Primeiro, não existe ainda
certeza científica inabalável de que à infeção sucede necessariamente a
imunidade. Segundo, quanto menos teste forem realizados, mais desconhecemos a
massa real de população que se terá tornado imune ainda que sem registo de
infeção. Outras dúvidas existem, por exemplo a da questão da possível
contaminação por partículas de aerossol existentes no ar fruto da própria
atividade respiratória.
Por isso a palavra dos especialistas acima
indicados foi de grande sensatez. A fase mais difícil é a da flexibilização do
confinamento, sobretudo no contexto de incerteza quanto ao número de pessoas
com imunidade ou sem imunidade ao vírus. Em contexto de novidade, vamos entrar
num outro período de incertezas em que a comparação entre diferentes
estratégias de flexibilização será fundamental.
E regressamos aos testes. Vale a pena recordar aqui
a experiência que o hospital Spallanzani de Roma está a realizar num pequeno
povoado da área metropolitana de Roma, Nerola de seu nome, em confinamento
absoluto (link aqui). Com auxílio de um laboratório de campanha, toda a população do
povoado, cerca de 1.950 habitantes, está a ser testada com uma combinação de
três testes: o de recolha na faringe e sistema nasal, o que investiga a
presença de anticorpos com análise de sangue e o rápido. Segundo o chefe de
equipa que realiza a experiência coletiva, “Juntando
os três testes, sabemos se a pessoa é positiva há muito tempo, se está a começar
ou a sair da infeção e o mais importante é que nos permite conhecer os
negativos que apresentam muitos anticorpos e que estiveram em contacto com o
vírus“.
Claro que esta metodologia não pode ser generalizada.
Mas talvez a sua multiplicação contida seja uma excelente orientação para a
fase da flexibilização do confinamento.
E talvez o mais importante é a interação necessária
com a reabertura da economia, tema para outras leituras e reflexões. Até porque
a incidência territorial da flexibilização do confinamento não coincide com a
da abertura da economia. Ou seja, a paragem da economia não tem reflexos espaciais
correspondentes à incidência da pandemia.
(Fonte: cálculos próprios a partir do boletim da DGS de 07.04.2020; dados demográficos PORDATA)
Com base nos números ontem publicados pela DGS, realizei
para a região Norte, por NUTS III, cálculos simples para o peso de pessoas
infetadas em relação ao total de casos da região e do país e para a taxa de
infeção por mil habitantes. É claríssimo que a paragem da economia (sobre a
qual faltam dados fidedignos) não coincidirá com a exposição dos territórios ao
vírus.
(Fonte: cálculos próprios a partir do boletim da DGS de 07.04.2020; dados demográficos PORDATA)
Tema para outras reflexões. Se não ficarmos loucos por escrever apenas
sobre isto.
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