sábado, 2 de junho de 2012

SOCIEDADE SEM TRABALHO


No ATUAL do Expresso de hoje, António Guerreiro publica um excelente texto de debate e discussão centrado no tema do fim da sociedade do trabalho. Recorda nesse sentido duas obras que passaram pela minha formação: The End of Work (1995) de Jeremy Rifkin e Métamorphoses du Travail (1988) de André Gorz.
O tema volta ao centro do debate sobretudo em função da magnitude de desemprego estrutural em que, embora com grande diferenciação geográfica, a economia mundial está mergulhada. António Guerreiro tenta explorar a incapacidade das propostas focadas no crescimento que, à esquerda e à direita, têm sido formuladas com base na não perceção do problema mais global que a evolução tecnológica tem colocado estruturalmente ao capitalismo.
Em meu entender, o capitalismo enfrentou sempre estruturalmente uma crise de insuficiência de investimento. Explico-me. A relação investimento-criação de emprego é historicamente penalizada pelo facto do custo do investimento necessário para criar um posto de trabalho nas sucessivas gerações de progresso tecnológico ser sempre crescente. Aliás, sabemos pelas evidências do longo prazo que o progresso tecnológico sempre aumentou a produtividade do fator trabalho, embora tendendo a reduzir ou a estagnar a produtividade do capital. Nestas condições, é sempre necessária uma maior quantidade de investimento para assegurar a criação de um emprego adicional.
O que acontece é que, no longo prazo, a evolução da procura permitiu atenuar essa insuficiência de investimento. Embora o progresso técnico sempre destrua emprego a curto prazo, é esse mesmo progresso técnico que o assegura nas mutações de longo prazo. Essa ambivalência explica a sempre problemática relação dos sindicatos e trabalhadores individuais com as novas gerações de “máquinas” com que têm de trabalhar. A nova máquina potencia o aumento da sua produtividade individual (resolvidas que estejam os problemas de qualificação e adaptação). Mas isso significa que a produção anteriormente obtida pode ser concretizada com menos tempo de trabalho (horas) e a libertação de um posto de trabalho é sempre uma possibilidade.
A magnitude do desemprego estrutural que grassa pelo mundo económico sugere que essa insuficiência de investimento estará ao rubro. Claro está que na situação atual parte dessa insuficiência de investimento pode ser atribuída com segurança ao bloqueio de confiança que a situação gerada pela crise da zona euro está a determinar. Mas o que a tese do fim da “sociedade de trabalho” quer sugerir é que, mesmo que essa confiança seja recuperada, provavelmente a insuficiência de investimento persistirá e com ela o desemprego estrutural.
Sabemos hoje que a inovação tecnológica é um processo indeterminado. Começamos a conhecer os seus contornos históricos depois de concretizada. Não antecipamos porém os seus novos rumos, as suas novas gerações de capitais e configurações possíveis.
Dois novos temas devem ser adicionados ao debate do fim da sociedade de trabalho: a mundialização das condições de trabalho e a organização do tempo de trabalho em termos sincrónicos e diacrónicos (ou seja, entre os que hoje têm e não têm trabalho e a organização do trabalho ao longo do ciclo de vida).
O primeiro tem hoje evidências novas, pois nem todos os tipos de atividades estão sujeitas a processos de outsourcing e deslocalização para “paraísos salariais” mais ou menos desregulados. O segundo representa o grande desafio da organização social de hoje e dos rumos da coesão social.
Voltaremos ao assunto.

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