sexta-feira, 30 de novembro de 2012

RESTAURANTES DE BAIRRO



Dia intenso, de novo em Lisboa gélida e tempestuosa, não como andarilho do planeamento, mas como andarilho da avaliação de políticas públicas. Discussões metodológicas intensas para fixar a abordagem a duas avaliações estratégicas cuja coordenação tenho em mãos: contributos estratégicos do QREN para a redução dos níveis de abandono e insucesso escolar e para a performance da economia portuguesa em matéria de inovação e de internacionalização. Questões cruciais para o futuro dos portugueses, intelectualmente muito estimulantes, mas com exigências metodológicas desproporcionadas face aos orçamentos disponíveis. Por isso, embora me aguarde a Orquestra Sinfónica do Porto para um concerto certamente retemperador de energias e o ambiente do Alfa seja hoje bem mais calmo do que o de posts anteriores também redigidos neste ambiente, não estou naturalmente disponível para grandes elaborações. E apetece-me falar de restaurantes de bairro. O que é para mim um restaurante de bairro? É um local onde gostamos de ir frequentemente, onde nos apetece comer o que gostamos de comer em casa sem grandes sofisticações gastronómicas mas com rigor de qualidade e sabor familiar, onde a relação qualidade-preço estimula uma maior frequência, onde a dimensão não nos intimide mas acolha, onde nos conheçam e onde se reconheça um ambiente de vivência local, não importa a idade dos que animam regularmente esse local.
O Cova Funda, nas proximidades da Alameda em Lisboa, numa perpendicular à Almirante Reis, é um desses locais. Apetece-me falar, antecipando paladares, das cabeças de pescada que devoro, das ovas da mesma, grelhadas ou cozidas, de uma boa costoleta, de bom cabrito, de uma sopa que nos afaga e nos transporta para os paladares caseiros. Sempre que o tempo dá para jantar com o mais jovem casal da família (Rui e Inês) ou sempre que o almoço permite combinar a saída em trabalho do escritório com o local, aí estou a explorar sensorialmente o conceito de restaurante de bairro. Gosto de sentir os ambientes locais, mesmo que neste caso o escalão etário já seja para o alto, ou os diferentes conjuntos arquitetónicos da Cidade não reflitam ciclos de vida particulares e este é seguramente um dos que esteve pujante já há algum tempo. O perfil socioeconómico de grande parte dos frequentadores revelará já um peso relevante de indivíduos e casais reformados. É bem provável que este local venha a ser mais um dos que irão começar a experimentar a erosão do rendimento disponível, sob a batuta de um cada vez mais isolado Gaspar, secundado por um Passos Coelho cada vez mais a atirar para todos os lados, transformado mais em comunicador de experiências de governação ainda não consolidadas do que em primeiro-Ministro. Por agora o Cova Funda parece resistir, mas talvez veja a ser impactado.
Nas minhas referências não abundam estes restaurantes de bairro. É provável que isso aconteça por desinformação e deficiente conhecimento do terreno da minha parte. Mas é também possível que estejam em desaparecimento mercê da desestruturação do tecido urbano e pela própria geografia urbana da crise. O apelo do “trendy” e do efémero na gastronomia são fortes concorrentes, mas isso é outro mundo e outra conversa. Não é seguramente uma tragédia. As paisagens e as vivências urbanas não são nem estáticas nem eternas. O Cova Funda está na zona de influência de uma das zonas que marcam bem a arquitetura do Estado Novo. A democracia chegou e a sucessão dos ciclos de vida é inexorável e deixa marcas espaciais. Porém, a sensação de perda existe. Mas quem consegue viver sem conviver com experiências e sensações de perda?
Posfácio
Valeu a pena não jantar. A Sinfónica do Porto está cada vez mais madura e personalizada e a sua ligação com a sala é cada vez mais notória. Oxalá a Cidade estivesse tão madura como a sua Orquestra. Saint-Saens e a 5ª de Schubert. E um enlevo de combinação: a Sinfónica do Porto com Anna Vinnitskaya a tocarem Rachmaninoff

“WHO’S THAT LADY?”


Um blogue que se pretende sério e orientado para tratamentos sérios de temas igualmente sérios – como é o caso do produto que o leitor acompanha nesta localização virtual –, também tem o direito de cair em tentação e de assim ceder ao sensacionalismo do pequeno escândalo.

A minha antecipada auto-defesa talvez possa prevalecer – e por maioria de razão! – identificando o protagonista do “interesse privado” em causa como um senhor do mundo, o declaradamente apaixonado marido de Michelle Obama, e uma revista com a visibilidade da “Veja” como a fonte do dito cujo interesse: um improvável “flirt” entre Barack e a bela “premiê” Yingluck em terras tailandesas!

Acredito piamente no caráter altamente especulativo da história, mas também nunca esqueci aquele médico brasileiro que uma vez me disse que “o único homem que não traiu nem uma vez na vida foi o meu pai”…


EUROPA ILUSTRADA (XI)

Novembro não trouxe novidades assinaláveis para os lados do Velho Continente e da Eurolândia. Merkel prosseguiu em Portugal o seu périplo pelas “colónias” (António, http://expresso.sapo.pt), o conjunto dos “PIIGS” continuaram em festejos de rua crescentemente participados (Ilias Makris, http://www.kathimerini.gr) e o mês encerrou com a Grécia salva pelo gongo, após experimentar mais uma dose de expiação dos seus pecados (Ilias Makris, http://www.kathimerini.gr) e com os credores a cumprirem estritamente os mínimos (Niels Bo Bojesen, http://jyllands-posten.dk).




 

Houve também prenúncios de futuros europeus cada vez menos antecipáveis, com especial destaque para uma coexistência entre velhas guerrilhas nacionalistas (Christian Adams, http://www.telegraph.co.uk) e tensões cuja escalada tende a transformar a “construção europeia” numa verdadeira roleta (Bas van der Schot, http://www.volkskrant.nl).


 

Um quadro em que sobressai a desorientação do defunto eixo franco-britânico, hoje meramente acantonado entre duas fanfarronices: a de uma França em perda – que a Moody’s já foi desclassificando e o “The Economist” resolveu apelidar de “bomba-relógio no coração da Europa” (Jacques Sondron, http://www.lavenir.net e Christian Adams, http://www.telegraph.co.uk) – e a de uma Inglaterra em cínica rota de colisão com a União Europeia (James Ferguson, http://www.ft.com e Ruben L. Oppenheimer, http://www.nrc.nl).




quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A ENTREVISTA PASSADA


Ontem, em entrevista à TVI, Passos veio confirmar – como se ainda preciso fosse! – a sua absoluta e confrangedora indigência politica e técnica. Somada de uma frieza - qual martelo a bater no prego, dizia alguém no Fórum da TSF de hoje - que esconde a sua enorme insegurança.
 
Algumas parcas ilustrações, mais ou menos avulsas:

·         “Nós temos uma Constituição, como sabe, que trata o esforço do lado da educação de uma forma diferente do do lado da saúde. Isso dá-nos aqui alguma margem de liberdade na área da educação para poder ter um sistema de financiamento mais repartido entre os cidadãos e a parte fiscal direta que é assegurada pelo Estado.”

·         “Nós não podemos perpetuar este nível de fiscalidade para futuro, senão o País não consegue desenvolver-se. (…) Aquilo que eu estou a dizer é que este nível de fiscalidade não se vai eternizar, não estou a dizer que não vai vigorar também em 2014.”

·         “Chegamos lá vivos, vamos lá chegar vivos, eu isso posso dizer. Com certeza que chegaremos lá vivos. Mas vai custar muito. Nunca ninguém me ouviu dizer que ia ser pera doce.”

·         “Nunca há feridas que não cicatrizem. As feridas cicatrizam. Mas este Governo não é um doente cheio de feridas e cheio de marcas. O Governo não está em crise. O Governo não está para cair. O Governo está a cumprir a sua missão, que é uma missão histórica, com muita determinação. Há, houve e sempre haverá tensões e dificuldades, visões diferentes de certos aspetos. Apesar de tudo, o Governo tem o cimento suficiente para poder dizer ao País que não é entre o PSD e o CDS que gerará uma situação de crise no País.”

·         “O número 2 do Governo é o ministro das Finanças, evidentemente. E o terceiro é o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.”
 
A coisa foi a um ponto tal que conseguiu até irritar um comentador tranquilo e moderado como é António José Teixeira. Que reagiu assim (imagem abaixo): “A maior frustração que eu sinto quando olho para esta entrevista é que, além do exercício de justificação dos falhanços que afinal são desvios ou surpresas, não vi muito mais. Em Fevereiro vamos dizer quais são os cortes sem os discutir com ninguém (…) mas até ao Verão vamos dar a oportunidade, se houver alguma ideia melhor, a gente corrige e diz à Troika que substitui. Isto é sério, isto é reforma do Estado? Mas alguém pode levar isto a sério?”

AS CIÊNCIAS SOCIAIS NOS MEDIA

(Tratamento próprio com dados do GPEARI - MEC)

Entre tantos outros motivos de interesse, a Conferência dos 50 anos do ICS trouxe também à ribalta das minhas reflexões o campo fascinante da relação entre a investigação nas ciências sociais e os media.
Aquilo que fica da iniciativa permite-me concluir que o ICS, para além do seu potencial inequívoco de produção de conhecimento que honra de sobremaneira a herança de Adérito Sedas Nunes, tem um particular know-how de disseminação das ideias e resultado de investigação que vai produzindo. Essa capacidade foi visível no modo como a conferência inaugural e a mesa-redonda final foram moderadas por jornalistas experientes e de grande notoriedade (respetivamente Ricardo Costa e António José Teixeira), o que só por si assegura desde logo uma grande divulgação do evento. Além disso, através de entrevistas e reportagens com alguns dos intervenientes, foi possível obter espaço de divulgação em órgãos de informação apropriados (Público e SIC Notícias, por exemplo).
Exemplos: a SIC Notícias dedicou, pelo menos, um espaço de conversa moderado por Ana Lourenço (como gostaria de ser moderado pela Ana Lourenço!) com participação de Luísa Schmidt, Fátima Bonifácio, Jorge Vala (Presidente atual do ICS) e Viriato Soromenho Marques em que as questões da relação entre a produção de conhecimento, as políticas públicas, a liberdade e a sociedade foram discutidas, sem pressas, sem a preocupação do sound byte que mina frequentemente a relação de comunicação do investigador com o público. A análise de Pierre Bourdieu “Sobre a Televisão” representa neste domínio a desmontagem mais impiedosa das armadilhas comunicacionais que a televisão coloca aos cientistas e Edgar Morin tem aquela máxima magnífica de que o tempo da televisão nos obriga a descrever e explicar acontecimentos cada vez mais complexos em cada vez menos tempo, abrindo caminho à vulgaridade. Poucas horas depois da sessão Território e Desordens, o Público on line dedicava um espaço relevante aos dados preliminares da investigação de João Ferrão sobre a geografia da crise que comentei em post anterior.
Como é óbvio, a proximidade física do ICS ao centro comunicacional da aglomeração da capital tem aqui um papel relevante. Mas há também a presença regular e sistemática nos jornais e na televisão de nomes como António Costa Pinto, Luísa Schmidt, Rui Ramos, Manuel Villaverde Cabral, Pedro Magalhães, Pedro Lains e alguns outros.
Nos próximos tempos, será interessante seguir a evolução comparativa neste campo dos dois principais “think tanks” das ciências sociais, o ICS (Lisboa) e o CES (Coimbra), com a pimenta adicional do conhecimento produzido nestes centros acabar por se articular com universos políticos não convergentes.
Como pano de fundo de toda esta reflexão, não deve ignorar-se o enorme gap que existe entre a investigação científica internacionalmente reconhecida na área das ciências sociais e humanidades versus a que é produzida na área das ciências exatas, naturais, engenharias, saúde e agrárias. O gráfico que abre este post é disso uma eloquente evidência. As ciências sociais bem precisam de reconhecimento social para resistirem a este gap e à sanha do desempenho-eficiência-produtividade que também chegará à ciência e tecnologia.

NO MUNDO DAS TREVAS

”El Roto” (Andrés Rábago García) é uma inesgotável torrente de crítica social! Neste Novembro, o cartunista do “El País escolheu as contas “com bicho” e a decorrente inutilidade de aprender matemática, o desespero do lojista resignado à sua própria venda, o profundo milagre que as vidas quotidianas encerram, as pessoas reduzidas a um elemento de cenografia e as persianas baixadas para parecer noite…






quarta-feira, 28 de novembro de 2012

AINDA PAUL DE GRAUWE



Foi um prazer ouvir a serenidade pedagógica de Paul De Grauwe na conferência inaugural dos 50 anos do ICS, aliás reiterada nas pequenas entrevistas que concedeu à comunicação social portuguesa. Serenidade pedagógica que alinhava excecionalmente bem com o enquadramento belíssimo da ampla janela horizontal do auditório 2 da Gulbenkian. Tenho um fascínio por estas janelas. Divido-me entre esta e as janelas também horizontais de Siza Vieira em Serralves.
A intervenção de De Grauwe é muito pedagógica, sobretudo porque parte da fragilidade congénita da arquitetura da união monetária da zona euro. E o que é relevante é que a demonstração dessa fragilidade é feita a partir de evidências inequívocas. De Grauwe mostra como países como o Reino Unido, por exemplo, com rácios de dívida bem piores do que os da zona euro não estão sujeitos ao mesmo poder dos mercados financeiros que exercem sobre os países sem soberania monetária e sem um Banco Central que intervenha como emprestador de último recurso: “países que se tornam insolventes apenas porque os investidores receiam a insolvência!”. A fragilidade atinge governos e também os bancos, segundo uma cadeia de efeitos que começa na venda massiva de títulos soberanos, subidas da taxa de juro e fugas também massivas de liquidez.
A fragilidade congénita da arquitetura do sistema abre caminho a contágios de proporções incalculáveis: a crise das soberanas repercute-se na fragilidade da banca e esta última atinge também os governos, suprimindo a atuação de estabilizadores naturais e gerando situações de autopropagação de expectativas.
A proposta de De Grauwe para superar esta fragilidade assenta em dimensões de curto (a ação do BCE como emprestador de último recurso), médio (políticas macroeconómicas para a zona euro, envolvendo países mais e menos desenvolvidos, segundo um modelo de 2 elementos para o tango) e longo prazo (consolidação de orçamentos nacionais e níveis da dívida). É ainda particularmente crítico quanto à confusão hoje existente nas funções do BCE: “bombeiro” e simultaneamente polícia (membro da Troika), o que De Grauwe interpreta como perda de independência política.
Compreende-se que a serenidade pedagógica de De Grauwe tenha incomodado o embaixador alemão presente na sala. Como já referi no post anterior, essa serenidade não impediu uma resposta firme e bem colocada às já incompreensíveis posições alemãs de assumir o seu papel na recuperação dos desequilíbrios macroeconómicos da zona euro.