(Notas em compasso
de preparação para o seminário da APDA em Lisboa, que sugerem a extrema dificuldade de
projetar os consumos e as condições de acesso ao recurso água em Portugal)
O amigo Sérgio Hora Lopes teve a amabilidade de me
convidar para estar presente no dia 27 de abril, em Lisboa, no seminário da APDA
– Associação Portuguesa para a Distribuição e Drenagem de Águas, focado
na prospetiva da água no horizonte 2050, no qual partilharei a sessão das 14
com o Professor João Ferrão e a Arquiteta Teresa Marat-Mendes. A sessão está
arrumada no tema das cidades, mas admitindo que os meus colegas de mesa vão
desenvolver os temas Cidades e Ordenamento, vou dar a mim próprio algumas liberdades
de reflexão sobre o tema.
A metáfora do “ser cauda de leão ou cabeça de rato” vai
inspirar-me na abordagem, algo modificada para introduzir a evidência de que,
para mal das nossas agruras, somos cauda de leão, desconjuntado, depauperado e
em desagregação, a Europa. Mas a metáfora é útil, porque mergulhando na vasta
literatura disponível sobre a prospetiva da água e sobre os problemas da sua
gestão e acessibilidade, rapidamente confirmamos que nem preenchemos os
problemas do topo, nem partilhamos as situações de extrema carência que
caracterizam os povos menos desenvolvidos. Não preenchemos os problemas do topo
mais desenvolvido porque não suportamos os mesmos ritmos de pressão de consumo
induzidos pelo crescimento económico e pelo peso de algumas indústrias
altamente consumidoras do recurso. Não partilhamos as situações de extrema
carência, porque embora o território continental experimente situações
geográficas de seca, o nosso principal problema não é o da escassez de recurso,
mas antes o da sua gestão e condições económicas de acesso a preços reais. A
prospetiva da água em Portugal partilha assim a situação de outras realidades,
em que Portugal tem dificuldade de acomodar-se dado o seu nível intermédio de
desenvolvimento, ainda com manifestações desencontradas dos extremos. Daí a
relevância da metáfora.
A APDA está interessada nesta reflexão preliminar para o
seu próprio exercício de prospetiva em ventilar todas as grandes tendências
globais que vêm sendo identificadas nos exercícios mais representativos de
prospetiva (essencialmente associadas às grandes consultoras internacionais
(McKinsey, Ernest&Young, Delloitte, etc), discutindo-as do ponto de vista
da prospetiva da água. Trata-se de um duplo exercício de dificuldades. Primeiro,
associar grande prospetiva e prospetiva da água. Segundo, projetar essa associação
em Portugal.
O primeiro tópico que lançarei para a discussão constitui
um dos raros exemplos em que a grande prospetiva das macrotendências serve
diretamente a prospetiva da água. Trata-se da intensificação da urbanização
como uma das grandes leis estruturais do desenvolvimento. Macrotendência em que
se cruzam duas convicções muito claras – a incontornável subida do peso da população
mundial a viver em cidades, a chamada população urbanizada e a perceção também
clara de que não há qualquer determinismo na maneira como essa urbanização vai materializar-se
em cada país em função do seu nível de desenvolvimento e da sua capacidade de
engenharia para a gestão da concentração. No caso de Portugal, essa mudança
estrutural deparar-se-á com duas indeterminações fortes: o ritmo a que crescerá
o rendimento per capita, variável com
a qual a urbanização está indissociavelmente ligada e a massa demográfica a
alocar entre o território e as cidades. A dimensão da população flutuante induzida
pela crescente relevância do turismo na atratividade internacional do país
tenderá a contrabalançar este último aspeto e a implicar especiais cautelas na
programação das infraestruturas para os picos de afluxo externo dessa população
flutuante.
O segundo tópico, diretamente ligado com a dimensão económica
da prospetiva da água, prende-se com as interrogações e encruzilhada da
globalização, que traz ao exercício de prospetiva uma indeterminação extrema,
sobretudo para uma economia como a portuguesa, cuja dinâmica de crescimento
estará indissociavelmente marcada pela integração na economia global e nas suas
transformações. Retomarei aqui alguma das reflexões já trazidas a este blogue
em torno da alteração observada no rácio “Comércio mundial /PIB mundial), quer
integremos no seu numerador os fluxos financeiros (como o faz, por exemplo, a
prospetiva da McKinsey) ou nos limitemos a considerar apenas o somatório de
exportações e importações de bens e serviços a nível mundial (que constitui a
prática mais corrente). O comportamento do referido rácio ocultará
provavelmente dois outros fenómenos de quantificação mais difícil. Primeiro, estaremos
a viver um período de encurtamento das cadeias de valor globais, com fenómenos
de “reshoring” a acontecer em algumas
economias relevantes (Estados Unidos, por exemplo), com a concomitante
intensificação da globalização digital (a que a McKinsey atribui especial relevância).
Segundo, nunca como no presente momento político, os receios da integração económica
mundial estiveram com presença tão acesa no discurso político (vejam-se as
eleições americanas, o advento do nacionalismo económico em algumas forças políticas
europeias e as enormes e violentas reações que os acordos regionais de livre
comércio, no Atlântico e no Pacífico estão a provocar). Esta variável de forte
indeterminação continuará atuante e premente enquanto não se desenharem
propostas consequentes e fundamentadas para um novo rumo da globalização, ao nível
de exigência de um Bretton Woods para o presente.
E, finalmente, um terceiro tópico com forte impacto nas
condições de acessibilidade ao recurso água – a desigualdade da distribuição do
rendimento e do capital.
O desenvolvimento deste último tópico fica para um outro
post antes do evento da APDA.
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