terça-feira, 12 de abril de 2016

QUESTÕES DE ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL




(A convite da Presidência da CCDR Lisboa e Vale do Tejo estive ontem em Lisboa para uma discussão aberta sobre como consertar o que está neste momento torto, ou seja tentar resolver a desconformidade hoje existente entre a organização territorial para efeito de Fundos Estruturais e a que decorre da lógica de planeamento)

É conhecido que o critério ainda hoje crucial para determinar o acesso das regiões aos Fundos Estruturais é o rendimento per capita medido à paridade de poder de compra. O acesso pleno aos Fundos Estruturais fica restringido a regiões que não atingem um determinado limiar do rendimento per capita europeu. Pode questionar-se em que medida a União Europeia não consegue trabalhar critérios mais elaborados e se refugia numa medida tão insuficiente, sobretudo em relação ao estado da arte do desenvolvimento regional. Mas isso é matéria que fica para outra oportunidade. O que é relevante assinalar é que, sendo o rendimento per capita medido para a unidade territorial e estatística NUTS II, à medida que este vai subindo e permanecem nessa unidade territorial desvios pronunciados de rendimento per capita existe sempre a tentação de recompor essa NUTS II para permitir que as sub-regiões menos desenvolvidas possam continuar a beneficiar do apoio dos Fundos Estruturais.

A tentação não é exclusivamente portuguesa. Ontem, na discussão, foi referenciado o caso da Alemanha, que operou também recomposições de NUTS II com o mesmo objetivo. No caso da região de Lisboa e Vale do Tejo, a primeira região em Portugal a experimentar esse problema, foi na altura salomonicamente determinada que três NUTS III, o Oeste, o Médio Tejo e a Lezíria fossem acomodadas as duas primeiras na área da CCDR Centro e a terceira na da CCDR Alentejo. Como é óbvio, os municípios integrantes de tais NUTS III bateram palmas, já que o estratagema lhes permitia continuar a aceder aos Fundos Estruturais. O que não conseguiriam se tivessem continuado a pertencer à área da CCDR Lisboa e Vale do Tejo. Simplesmente, tal decisão não alterou a dependência de tais sub-regiões desta última para efeito de questões relacionadas com a orgânica de planeamento, veja-se por exemplo as questões do ordenamento do território. Quer isto dizer, que um autarca por exemplo do Oeste olha “para cima” em tudo que é matéria de Fundos Estruturais e “para baixo” nas restantes matérias de planeamento. Há que convir que não se trata de solução canónica. Seguramente que não está também isenta de problemas de custos de transação. Do ponto de vista político, a questão tem permanecido adormecida, mas como o atual governo de António Costa pensa eleger os presidentes das CCDR a partir dos municípios, a situação criada parece agora insustentável e reclamar conserto. Mas poderá ser consertada?

Na reunião de ontem, para além de representantes políticos das três NUTS III e do próprio Secretário de Estado e de quadros da CCDR Lisboa e Vale do Tejo, estava presente uma espécie de grupo do costume (Félix Ribeiro, João Ferrão, Jorge Gaspar, Josué Caldeira, Nuno Vitorino e este vosso amigo). Dizia-me o João Ferrão à entrada da reunião que os protagonistas nesta área estavam perigosamente a acantonar-se num grupo que tem dificuldade em renovar-se, e não posso estar mais de acordo.

Voltando ao tema, embora a discussão fosse aberta, percebeu-se pelas intervenções dos autarcas que a ideia a germinar seria reconstituir uma nova NUTS II, composta pelo Oeste, Médio Tejo e Lezíria, e não ficou totalmente esclarecido, aparentemente dando origem a uma nova CCDR, mantendo-se Lisboa e Vale do Tejo apenas com a Área Metropolitana de Lisboa. No meu entender, e expressei-o na reunião, quando se mistura propósitos de organização territorial com aspetos meramente instrumentais, como os dos Fundos, tende a abrir-se uma caixa de Pandora e o país precisa de uma organização estável para estruturar o universo das políticas públicas. Félix Ribeiro trouxe uma perspetiva interessante: a de que após um largo período em que os Fundos Estruturais foram utilizados para desenvolver o território, é altura, com o fardo da dívida que temos, de os colocar ao serviço do crescimento. Nessa base, a criação de duas regiões de planeamento, contrariando a região funcional de Lisboa, retira aos territórios do Oeste, do Médio Tejo e da Lezíria massa crítica de visibilidade internacional e estaria em desconformidade com as exigências com que o País se confronta.

Embora me pareça que a conversa não terá agradado aos autarcas, a síntese da discussão acaba por fazer-se em torno da ideia de criar uma nova NUTS II (composta pelo Oeste, Médio Tejo e Lezíria), mas mantendo a CCDR Lisboa e Vale do Tejo a funcionar com duas NUTS II, a Área Metropolitana de Lisboa e a nova. O que na verdade corresponde a regressar às origens do projeto de organização territorial de 1976 e a integrar a região funcional de Lisboa (por mais elasticidade que este conceito possa ter) na área de intervenção da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo.

Resta a questão de saber como a criação da nova NUTS II vai ser justificada em Bruxelas, passando na área de intervenção da CCDR LVT a existir uma modulação entre duas NUTS II, o que parece não ser incompatível com os instrumentos de acesso aos Fundos Estruturais.

Estou curioso em seguir a evolução da ideia, sobretudo do ponto de vista da sua articulação com o poder político.

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