quarta-feira, 20 de abril de 2016

A BASE MORAL DO CAPITALISMO ESTÁ CORROMPIDA!




(Nos anos 80, apresentei em Lisboa, numa conferência do CISEP sobre economia portuguesa, uma comunicação sobre a degenerescência da base moral da economia, inspirada pela leitura que então fizera da Teoria dos Sentimentos Morais de Adam Smith. Não imaginaria que cerca de 30 anos depois ela permanecesse tão atual)

“A disposição para admirar e quase adorar os ricos e os poderosos e desprezar ou, pelo menos, negligenciar as pessoas pobres e de condição média, ainda que necessária para manter a distinção entre lugares e a ordem da sociedade, é ao mesmo tempo a grande e maior causa universal da corrupção dos nossos sentimentos morais.”

Adam Smith, The Theory of Moral Sentiments, parágrafo inicial do capítulo 3, p.126, edição Liberty Classics, Indianapolis, 1969

Só de facto um maduro, não venezuelano, teria a pachorra nos anos 80 de ler em inglês, The Theory of Moral Sentiments, de Adam Smith. Foi uma tarefa difícil e estou certo que não terei conseguido apreender toda a elegância do pensamento smithiano, até porque na altura não tinha sido publicada nenhuma obra de referência interpretativa dessa obra mais desconhecida do pai da mão invisível, como por exemplo, Economic Sentiments (2001, Harvard University Press) de Emma Rothschild e a própria biografia Adam Smith – an enlightened life de Nicholas Phillipson (2010, Allen Lane).

Nestes últimos 30 anos, a deterioração da base moral do capitalismo tem sido galopante. Basta referir, por exemplo, o aparecimento da palavra “greed” (ganância) no léxico interpretativo dos acontecimentos devastadores de 2007-2008. Ou também considerar os sucessivos atropelos em matéria de “corporate governance”, através dos quais um grupo vasto de CEO decide em campo próprio e a seu próprio favor, já para não falar no conhecido processo de aquisição de ações próprias das empresas, que William Lazonick tem estudado aprofundadamente. Ou podemos ainda invocar a capacidade legal ou ilegal de ocultação de rendimentos ao exercício da fiscalidade, reduzindo a capacidade de arrecadação fiscal dos estados, que a recente problemática do Panama Papers colocaram a nu nas últimas semanas e que economistas como Gabriel Zucman têm estudado de forma minuciosa, denunciando a hipocrisia de gente que se diz patriota dos quatro costados, mendiga sabe-se lá por que meios uma subvenção ou uma isenção fiscal e subtrai declaradamente rendimento à chamada punção fiscal dos poderes públicos.

No seio desta denúncia da base moral do capitalismo, houve quem se aventurasse a considerar que tal degradação deveria ser cruzada com a base cultural dos modelos de gestão e de corporate governance, insinuando que poderia haver sociedades mais resistentes a tal degenerescência. Não incorro em falha maior se associar a esta ideia a por vezes sublinhada afirmação de que a corporate governance de empresas japonesas poderia ilustrar essa maior resistência à deterioração da base moral.

Pois parece que os fatores de corrompimento e degenerescência dos valores morais do capitalismo são capazes de vencer essas barreiras culturais. Foi assim com algum sorriso que li a notícia de hoje de que também a Mitsubishi Motors assumiu ontem que viciou os testes de emissões, enganando reguladores e consumidores. O Financial Times fornece elementos valiosos para comparar as fraudes da Mitsubishi e da Volkswagen, que serão certamente diferentes na trama e do alcance da fraude. Não é tanto a engenharia da fraude que me interessa. O que importa registar é que tudo leva a crer que estaremos a viver uma meta-degenerescência da base moral do capitalismo, transversal a diferentes modelos culturais com influência nos modelos de corporate governance. Aliás se há coisa curiosa nos últimos tempos da referida degenerescência é a aparente convergência da relação norte-sul nestas matérias. Sim, os modelos a norte são mais accountable. Mas o norte não tem hoje nenhuma superioridade moral a apresentar ao sul. E a indústria automóvel é uma boa ilustração da democratização da fraude. Aliás, a frequência dos paraísos fiscais do Panamá é bem a imagem de um clube aberto e não com direito reservado de admissão a determinadas ideologias.

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