sexta-feira, 22 de abril de 2016

70 ANOS




(Ontem, passaram 70 anos da morte de John Maynard Keynes, em Londres, e por mais estranho que isso possa parecer o mundo económico e a diplomacia associada estão órfãos pelo vazio da sua morte, e também pela trágica relutância em compreender a razoabilidade do seu pensamento)

A blogosfera económica e a imprensa em geral não foram muito prolixas na referência aos 70 anos da morte de Keynes. No meu radar diário registei duas ocorrências: um artigo de Pablo Martín-Aceña, catedrático de história económica da Universidade de Alcalá em Madrid e um artigo de Benjamin Mitra-Kahn no blogue do INET, este com a particularidade de se referir ao facto de estar prestes a acabar o período de copyright de toda a obra de Keynes, que vai certamente revolucionar as condições de acesso a um vasto espólio que não se esgotou nos preciosos Collected Writings, a cargo da Royal Economic Society.

Com esta escassez de referências, à boleia de Mitra-Kahn, é fundamental reler os obituários de 21 de abril de 1946 surgidos no New York Times (ver link aqui) (prova de que o pensamento de Keynes tinha marcado a opinião pública americana), de que a imagem inicial deste post reproduz os parágrafos iniciais e no The Economist (link aqui). É curiosa a diferente orientação dos dois obituários.

A notícia do New York Times dá grande relevância à dimensão de diplomata, negociador e agitador de ideias que Keynes assumiu até à morte, numa lógica de serviço público de grande alcance. A crise cardíaca que o vitimou pode ser considerada uma consequência do imenso cansaço e stresse negocial que as últimas negociações em que participou acabaram por determinar. O NYT dá especial relevância ao seu crucial envolvimento na negociação do Tratado de Versalhes, pós 1ª Grande Guerra Mundial, do qual haveria de afastar-se, sobretudo na sequência da sua acusação de que a negociação não estava a respeitar os interesses da economia global e que a Alemanha estava a ser condenada em termos que não poderia cumprir com as consequências conhecidas da degradação da situação interna e emergência do nacional-socialismo nazi. O pequeno livro que Keynes escreveu sobre esta matéria faria seguramente parte de uma reserva mínima de conhecimento que transportaria comigo para um qualquer exílio forçado. É um livro de uma lucidez espantosa, não tem uma fórmula sequer, e devolve-nos o poder da argumentação económica rigorosa e consistente.

O obituário do The Economist centra-se mais na força das ideias de Keynes e não resisto a citar um longo parágrafo, que é luz esclarecedora para os tempos conturbados que atravessamos:

O contributo decisivo que Keynes trouxe à teoria do desemprego – acaso admitamos que antes existia algo de semelhante – reside na ênfase que ele coloca na poupança e no investimento. A ideia central do ‘Treatise on Money’ está na inexistência de uma ligação automática entre essas duas variáveis: entre uma mudança nos hábitos de parcimónia de gastos por um lado e as oportunidades para a formação de capital real do outro. A instabilidade económica, defendeu Keynes, emerge sempre que as poupanças de um conjunto de indivíduos, que integram uma comunidade – isto é a percentagem dos seus rendimentos monetários que não gastam - começam a não equilibrar com as poupanças reais dessa comunidade – isto é, a proporção da sua produção de bens físicos que não se destina ao consumo imediato. Além disso, o diagnóstico sugere a cura: se não houver convergência automática entre a poupança e a formação de capital, então tem de haver uma convergência planeada; a cura do ciclo económico está, por um lado, no controlo consciente do total de poupanças e, por outro, das despesas em bens de capital.”

Não é qualquer teoria dos loanable funds que poderá apagar a força deste argumento, que permanece hoje viva. Na economia mundial, fala-se de uma “savings glut”, ou seja, há poupança que baste, sobretudo para os lados asiáticos. Mas o investimento tarda em atingir níveis compatíveis com essa abundância de poupança, apesar do contorcionismo das taxas de juro e das piruetas dos bancos centrais.

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