(Ontem, passaram
70 anos da morte de John Maynard Keynes, em Londres, e por mais estranho que isso possa parecer o
mundo económico e a diplomacia associada estão órfãos pelo vazio da sua morte,
e também pela trágica relutância em compreender a razoabilidade do seu
pensamento)
A blogosfera económica e a imprensa em geral não foram
muito prolixas na referência aos 70 anos da morte de Keynes. No meu radar diário
registei duas ocorrências: um artigo de Pablo Martín-Aceña, catedrático de história
económica da Universidade de Alcalá em Madrid e um artigo de Benjamin Mitra-Kahn no blogue do INET, este com a particularidade de se referir ao facto de estar prestes
a acabar o período de copyright de toda a obra de Keynes, que vai certamente
revolucionar as condições de acesso a um vasto espólio que não se esgotou nos
preciosos Collected Writings, a cargo
da Royal Economic Society.
Com esta escassez de referências, à boleia de Mitra-Kahn,
é fundamental reler os obituários de 21 de abril de 1946 surgidos no New York Times (ver link aqui) (prova de
que o pensamento de Keynes tinha marcado a opinião pública americana), de que a
imagem inicial deste post reproduz os
parágrafos iniciais e no The Economist
(link aqui). É curiosa a diferente orientação dos dois obituários.
A notícia do New York Times dá grande relevância à dimensão
de diplomata, negociador e agitador de ideias que Keynes assumiu até à morte, numa
lógica de serviço público de grande alcance. A crise cardíaca que o vitimou
pode ser considerada uma consequência do imenso cansaço e stresse negocial que as
últimas negociações em que participou acabaram por determinar. O NYT dá
especial relevância ao seu crucial envolvimento na negociação do Tratado de
Versalhes, pós 1ª Grande Guerra Mundial, do qual haveria de afastar-se,
sobretudo na sequência da sua acusação de que a negociação não estava a respeitar
os interesses da economia global e que a Alemanha estava a ser condenada em termos
que não poderia cumprir com as consequências conhecidas da degradação da situação
interna e emergência do nacional-socialismo nazi. O pequeno livro que Keynes
escreveu sobre esta matéria faria seguramente parte de uma reserva mínima de
conhecimento que transportaria comigo para um qualquer exílio forçado. É um
livro de uma lucidez espantosa, não tem uma fórmula sequer, e devolve-nos o
poder da argumentação económica rigorosa e consistente.
O obituário do The Economist centra-se mais na força das ideias
de Keynes e não resisto a citar um longo parágrafo, que é luz esclarecedora
para os tempos conturbados que atravessamos:
“O contributo decisivo
que Keynes trouxe à teoria do desemprego – acaso admitamos que antes existia
algo de semelhante – reside na ênfase que ele coloca na poupança e no
investimento. A ideia central do ‘Treatise on Money’ está na inexistência de uma
ligação automática entre essas duas variáveis: entre uma mudança nos hábitos de
parcimónia de gastos por um lado e as oportunidades para a formação de capital
real do outro. A instabilidade económica, defendeu Keynes, emerge sempre que as
poupanças de um conjunto de indivíduos, que integram uma comunidade – isto é a
percentagem dos seus rendimentos monetários que não gastam - começam a não equilibrar
com as poupanças reais dessa comunidade – isto é, a proporção da sua produção
de bens físicos que não se destina ao consumo imediato. Além disso, o diagnóstico
sugere a cura: se não houver convergência automática entre a poupança e a
formação de capital, então tem de haver uma convergência planeada; a cura do
ciclo económico está, por um lado, no controlo consciente do total de poupanças
e, por outro, das despesas em bens de capital.”
Não é qualquer teoria dos loanable funds que poderá apagar a força deste argumento, que permanece
hoje viva. Na economia mundial, fala-se de uma “savings glut”, ou seja, há poupança que baste, sobretudo para os
lados asiáticos. Mas o investimento tarda em atingir níveis compatíveis com
essa abundância de poupança, apesar do contorcionismo das taxas de juro e das
piruetas dos bancos centrais.
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