(Ecos pessoais e
não só da iniciativa de ontem da APDA, que corresponde a um excelente exemplo de cenarização prospetiva de
natureza colaborativa preenchendo as carências manifestas que a administração
pública vai revelando nestas matérias)
A experiência de cenarização prospetiva de natureza
colaborativa é praticamente incipiente, senão nula, em Portugal, como o mostrou
ontem João Ferrão, meu colega de mesa, quando apresentou entre os seus slides
um com inúmeros exemplos deste tipo de cenarização noutros países, envolvendo
um vasto número de atores. O propósito da APDA (Associação Portuguesa para a
Distribuição e Drenagem de Águas) de partilhar a sua reflexão prospetiva com
diferentes vetores da sociedade civil é muito meritório e pode abrir uma
intervenção supletiva junto de uma depauperada administração pública, cujos
centros de inteligência, agonizantes, não estão em condições de protagonizar e
liderar dinâmicas deste tipo.
A natureza muito aberta da discussão de ontem, por
vontade da própria associação organizadora que deu liberdade aos oradores para
discutir tendências não necessariamente definidas a partir da problemática
específica da água, talvez vá gerar à APDA alguns sarilhos de síntese e adaptação
da reflexão ao seu próprio exercício. Analisando esta liberdade do meu próprio
ponto de vista, não há quem recuse uma digressão reflexiva pelas grandes
tendências, o que não é a mesma coisa que as projetar depois no exercício
concreto da prospetiva da água.
Pude assistir a grande parte da sessão da manhã
(infelizmente não deu para acompanhar o sempre estimulante José Manuel Félix
Ribeiro, que podemos considerar um dos pais da prospetiva em Portugal,
destruída pelo governo Paf ao enterrar o Departamento de Planeamento e
Prospetiva). Nessa sessão da manhã, destaco aqui as intervenções de Daniel
Bessa e de José Manuel Sobral, este último com um comentário delicioso à tarde
em torno da minha intervenção, e que referirei daqui a pouco. Impressiona-me muito
o tom de autodesfavorecimento e autodesvalorização que o Daniel Bessa coloca
nas suas intervenções, que chega a ser incomodativo para quem o ouve e o
conhece de perto. Ontem, o Daniel também começou assim a desvalorizar o que
iria desenvolver de seguida, lançando para o auditório esta afirmação: costumo
dizer aos meus amigos que se fosse cão seria rafeiro. Meu caro Daniel, por
muito mal que se esteja com o mundo e com o país, estas coisas não se dizem,
incomodam, sobretudo os que privam contigo. Depois desta atoarda inicial, o
Daniel Bessa explorou sobretudo duas certezas e uma grande interrogação. Uma
das certezas está no papel da ciência, no que ela pode representar de tendência
segura e firme, embora não tenha discutido o que ela pode representar do ponto
de vista de fator de inovação e crescimento económico. Mas no seu entender a
problemática da água beneficiará com esta firmeza da ciência, podendo assegurar
melhores condições de eficiência na sua utilização. A outra certeza pessoal que
o Daniel trouxe para o debate, e esta é bem relevante a merecer aprofundamento
do seu pensamento, é o que ele referiu como sendo a cadeia de valor da água,
que aponta para as condições de gestão de um recurso escasso para uns, mais
disponível para outros, aspeto crucial para gerir oferta e eficiência de
utilização do recurso. Bem interessante e menos compreendo a autodesvalorização
da intervenção feita pelo próprio. Quanto à interrogação, Daniel Bessa reiterou
a sua já conhecida perspetiva negativa sobre o futuro do nosso retângulo, em
oposição ao bem-estar futuro da diáspora portuguesa que se mantém fora do país,
talvez para sempre. Esta questão da diáspora é relevante porque suscitou alguma
discussão da parte da tarde, quando referi que essa diáspora não está organizada
e que não há propriamente uma presença concertada e organizada dos Portugueses nas
redes da economia global. Redes de proximidade sim e o José Manuel Sobral
recordou que os Portugueses emigravam em bandos, mas inexistência de uma organização
tipo tribo como a que chineses, coreanos e outros desenvolvem de forma organizada
e com forte apoio dos respetivos estados.
Na sessão da tarde, em que o vosso amigo propôs o tema, “Um
mundo urbanizado, fraturado, desigual e com riscos de estagnação secular”, aliás
bem recebido e mostrando que são temas ainda pouco conhecidos, o João Ferrão
marca sempre a diferença, porque transporta para o debate nacional agendas de
grande atualidade, mas com espírito crítico e uma grande capacidade de contextualizar
essas agendas à luz da escala nacional. Agradou-me sobretudo a sua ideia de
contrapor à tríade “Prever, programar, planear” uma outra de grande modernidade
“Gerir a incerteza, Mecanismos de adaptação e cenarização prospetiva”, esta última
de natureza colaborativa, muito na linha do que a APDA inicia agora em termos
de prospetiva. Sou também sensível à sua tese de que a Cidade e o urbano é que veiculam
agendas transformadoras e a sua sensibilidade ao desenho de caminhos de adaptação
em termos de processos de transição e de transformação, estes últimos mais baseados
na mudança de valores e de finalidades e por isso de mais lenta gestação.
Tempo bem gasto. Obrigado à APDA.
Sem comentários:
Enviar um comentário