quinta-feira, 28 de abril de 2016

DISCUTINDO A PROSPETIVA DA ÁGUA




(Ecos pessoais e não só da iniciativa de ontem da APDA, que corresponde a um excelente exemplo de cenarização prospetiva de natureza colaborativa preenchendo as carências manifestas que a administração pública vai revelando nestas matérias)

A experiência de cenarização prospetiva de natureza colaborativa é praticamente incipiente, senão nula, em Portugal, como o mostrou ontem João Ferrão, meu colega de mesa, quando apresentou entre os seus slides um com inúmeros exemplos deste tipo de cenarização noutros países, envolvendo um vasto número de atores. O propósito da APDA (Associação Portuguesa para a Distribuição e Drenagem de Águas) de partilhar a sua reflexão prospetiva com diferentes vetores da sociedade civil é muito meritório e pode abrir uma intervenção supletiva junto de uma depauperada administração pública, cujos centros de inteligência, agonizantes, não estão em condições de protagonizar e liderar dinâmicas deste tipo.

A natureza muito aberta da discussão de ontem, por vontade da própria associação organizadora que deu liberdade aos oradores para discutir tendências não necessariamente definidas a partir da problemática específica da água, talvez vá gerar à APDA alguns sarilhos de síntese e adaptação da reflexão ao seu próprio exercício. Analisando esta liberdade do meu próprio ponto de vista, não há quem recuse uma digressão reflexiva pelas grandes tendências, o que não é a mesma coisa que as projetar depois no exercício concreto da prospetiva da água.

Pude assistir a grande parte da sessão da manhã (infelizmente não deu para acompanhar o sempre estimulante José Manuel Félix Ribeiro, que podemos considerar um dos pais da prospetiva em Portugal, destruída pelo governo Paf ao enterrar o Departamento de Planeamento e Prospetiva). Nessa sessão da manhã, destaco aqui as intervenções de Daniel Bessa e de José Manuel Sobral, este último com um comentário delicioso à tarde em torno da minha intervenção, e que referirei daqui a pouco. Impressiona-me muito o tom de autodesfavorecimento e autodesvalorização que o Daniel Bessa coloca nas suas intervenções, que chega a ser incomodativo para quem o ouve e o conhece de perto. Ontem, o Daniel também começou assim a desvalorizar o que iria desenvolver de seguida, lançando para o auditório esta afirmação: costumo dizer aos meus amigos que se fosse cão seria rafeiro. Meu caro Daniel, por muito mal que se esteja com o mundo e com o país, estas coisas não se dizem, incomodam, sobretudo os que privam contigo. Depois desta atoarda inicial, o Daniel Bessa explorou sobretudo duas certezas e uma grande interrogação. Uma das certezas está no papel da ciência, no que ela pode representar de tendência segura e firme, embora não tenha discutido o que ela pode representar do ponto de vista de fator de inovação e crescimento económico. Mas no seu entender a problemática da água beneficiará com esta firmeza da ciência, podendo assegurar melhores condições de eficiência na sua utilização. A outra certeza pessoal que o Daniel trouxe para o debate, e esta é bem relevante a merecer aprofundamento do seu pensamento, é o que ele referiu como sendo a cadeia de valor da água, que aponta para as condições de gestão de um recurso escasso para uns, mais disponível para outros, aspeto crucial para gerir oferta e eficiência de utilização do recurso. Bem interessante e menos compreendo a autodesvalorização da intervenção feita pelo próprio. Quanto à interrogação, Daniel Bessa reiterou a sua já conhecida perspetiva negativa sobre o futuro do nosso retângulo, em oposição ao bem-estar futuro da diáspora portuguesa que se mantém fora do país, talvez para sempre. Esta questão da diáspora é relevante porque suscitou alguma discussão da parte da tarde, quando referi que essa diáspora não está organizada e que não há propriamente uma presença concertada e organizada dos Portugueses nas redes da economia global. Redes de proximidade sim e o José Manuel Sobral recordou que os Portugueses emigravam em bandos, mas inexistência de uma organização tipo tribo como a que chineses, coreanos e outros desenvolvem de forma organizada e com forte apoio dos respetivos estados.

Na sessão da tarde, em que o vosso amigo propôs o tema, “Um mundo urbanizado, fraturado, desigual e com riscos de estagnação secular”, aliás bem recebido e mostrando que são temas ainda pouco conhecidos, o João Ferrão marca sempre a diferença, porque transporta para o debate nacional agendas de grande atualidade, mas com espírito crítico e uma grande capacidade de contextualizar essas agendas à luz da escala nacional. Agradou-me sobretudo a sua ideia de contrapor à tríade “Prever, programar, planear” uma outra de grande modernidade “Gerir a incerteza, Mecanismos de adaptação e cenarização prospetiva”, esta última de natureza colaborativa, muito na linha do que a APDA inicia agora em termos de prospetiva. Sou também sensível à sua tese de que a Cidade e o urbano é que veiculam agendas transformadoras e a sua sensibilidade ao desenho de caminhos de adaptação em termos de processos de transição e de transformação, estes últimos mais baseados na mudança de valores e de finalidades e por isso de mais lenta gestação.

Tempo bem gasto. Obrigado à APDA.

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