quarta-feira, 13 de abril de 2016

LULA SEM PAPAS NA LÍNGUA NO INTERCEPT




(Lembrança amiga trouxe-me a referência a uma entrevista de Lula da Silva a Glenn Greenwald no The Intercept, que importa ler para termos a perspetiva do próprio Lula acerca do que se vai passando por tão complexo país)

Tudo parece indicar que só uma mudança súbita dos acontecimentos permitirá que Dilma Roussef ultrapasse o cerco político em que o processo para o seu eventual “impeachment” se transformou. Não é claro para uma leitura exterior compreender se houve ou não crime de responsabilidade da Presidente, tanto mais que o Presidente da Câmara de Deputados que lidera o processo contra Dilma, Eduardo Cunha, reúne contra si as mais sólidas provas de corrupção, com milhões de dólares em bancos suiços sem explicação plausível. Neste momento, parece não saber-se se o envolvimento de Lula em processos ilícitos que o poder judicial está a tentar demonstrar é para reduzir as defesas de Dilma ou se há de facto matéria para uma responsabilização mais séria do PT.

Entretanto, o impacto da mediática detenção para interrogatório de Lula tem contornos também complexos. O seu nome apareceu visado e de forma contundente nas manifestações de rua, mas a verdade é que as últimas sondagens eleitorais dão Lula praticamente empatado com a líder ambientalista Marina Silva numa eventual eleição para a Presidência.

A entrevista de Lula a Greenwald assume assim contornos de oportunidade para se tentar compreender a perigosa encruzilhada em que a democracia brasileira está mergulhada.

Lula começa por reinvindicar para os governos PT as reformas do poder judicial que, em seu entender, tornaram possível a autonomia e condições de afirmação necessárias a um combate mais eficaz à corrupção. Continua a defender que a Presidente Dilma não cometeu crimes de responsabilidade e rejeita frontalmente a mediatização da justiça, num contexto em que se percebe que Lula tem uma visão dos meios de comunicação social que aponta para a sua concentração política e ausência total de imparcialidade no modo como noticia casos de corrupção associados ao PT e os que podem ser imputados a outros partidos. E pela primeira vez vejo da parte de Lula uma explicação para a degradação das condições macroeconómicas do país e o significativo agravamento das condições de equilíbrio das contas públicas.

Lula avança pela primeira vez, que me tenha apercebido, a tese dos efeitos do desagravamento fiscal. Citando, no incomparável discurso direto do personagem: “Pois bem, aqui no Brasil, durante 2011-2014, o Brasil fez uma política de desoneração fiscal muito grande. O governo abriu mão quase de 500 bilhões de reais, para continuar fomentando o crescimento económico. Foi isso que permitiu que nós chegássemos em dezembro de 2014 com 4,3% de desemprego no Brasil. Parecia a Finlândia. Parecia a Noruega, tão baixo era o nível de desemprego. Pois bem, só que o governo não percebeu que esse processo de desoneração e isenção fiscal esvaziou o caixa do governo, diminuiu a capacidade de arrecadação. Ora, obviamente que Dilma não quis mudar isso durante o processo eleitoral. Depois das eleições, quando a Dilma ganha as eleições, assumindo um compromisso explícito com o povo brasileiro, a Dilma propõe um ajuste fiscal e ela começa mexendo exatamente em alguns direitos elementares dos trabalhadores, coisas pequenas. E isso jogou grande parte do nosso público contra nós. É por isso que eu tenho discutido com a presidenta Dilma e eu tenho dito para ela: a única chance de reverter esse quadro é a gente apontar com uma política econômica que gere expectativa e esperança para a sociedade brasileira”.

Não estaria tão otimista como Lula da Silva. Talvez a desigual sociedade brasileira não lho conceda essa possibilidade, sobretudo como o próprio Lula insinua, se houver uma convergência revanchista contra a ousadia do PT ter governado durante estes anos. Não tenho também a certeza se o processo de desoneração e isenção fiscal não foi o abre fantasmas de toda a desgraça do PT. Mas que Lula está na luta, isso parece evidente e por mais que isso nos possa parecer estranho se calhar com mais resistência do que a própria Dilma.

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