(Lembrança amiga
trouxe-me a referência a uma entrevista de Lula da Silva a Glenn Greenwald no
The Intercept, que importa
ler para termos a perspetiva do próprio Lula acerca do que se vai passando por
tão complexo país)
Tudo parece indicar que só uma mudança súbita dos
acontecimentos permitirá que Dilma Roussef ultrapasse o cerco político em que o
processo para o seu eventual “impeachment”
se transformou. Não é claro para uma leitura exterior compreender se houve ou não
crime de responsabilidade da Presidente, tanto mais que o Presidente da Câmara
de Deputados que lidera o processo contra Dilma, Eduardo Cunha, reúne contra si
as mais sólidas provas de corrupção, com milhões de dólares em bancos suiços sem
explicação plausível. Neste momento, parece não saber-se se o envolvimento de
Lula em processos ilícitos que o poder judicial está a tentar demonstrar é para
reduzir as defesas de Dilma ou se há de facto matéria para uma responsabilização
mais séria do PT.
Entretanto, o impacto da mediática detenção para interrogatório
de Lula tem contornos também complexos. O seu nome apareceu visado e de forma contundente
nas manifestações de rua, mas a verdade é que as últimas sondagens eleitorais dão
Lula praticamente empatado com a líder ambientalista Marina Silva numa eventual
eleição para a Presidência.
A entrevista de Lula a Greenwald assume assim contornos
de oportunidade para se tentar compreender a perigosa encruzilhada em que a democracia
brasileira está mergulhada.
Lula começa por reinvindicar para os governos PT as
reformas do poder judicial que, em seu entender, tornaram possível a autonomia
e condições de afirmação necessárias a um combate mais eficaz à corrupção. Continua
a defender que a Presidente Dilma não cometeu crimes de responsabilidade e
rejeita frontalmente a mediatização da justiça, num contexto em que se percebe que
Lula tem uma visão dos meios de comunicação social que aponta para a sua concentração
política e ausência total de imparcialidade no modo como noticia casos de
corrupção associados ao PT e os que podem ser imputados a outros partidos. E
pela primeira vez vejo da parte de Lula uma explicação para a degradação das
condições macroeconómicas do país e o significativo agravamento das condições de
equilíbrio das contas públicas.
Lula avança pela primeira vez, que me tenha apercebido, a
tese dos efeitos do desagravamento fiscal. Citando, no incomparável discurso
direto do personagem: “Pois bem, aqui
no Brasil, durante 2011-2014, o Brasil fez uma política de desoneração fiscal
muito grande. O governo abriu mão quase de 500 bilhões de reais, para continuar
fomentando o crescimento económico. Foi isso que permitiu que nós chegássemos
em dezembro de 2014 com 4,3% de desemprego no Brasil. Parecia a Finlândia.
Parecia a Noruega, tão baixo era o nível de desemprego. Pois bem, só que o
governo não percebeu que esse processo de desoneração e isenção fiscal esvaziou
o caixa do governo, diminuiu a capacidade de arrecadação. Ora, obviamente que
Dilma não quis mudar isso durante o processo eleitoral. Depois das eleições,
quando a Dilma ganha as eleições, assumindo um compromisso explícito com o povo
brasileiro, a Dilma propõe um ajuste fiscal e ela começa mexendo exatamente em
alguns direitos elementares dos trabalhadores, coisas pequenas. E isso jogou
grande parte do nosso público contra nós. É por isso que eu tenho discutido com
a presidenta Dilma e eu tenho dito para ela: a única chance de reverter esse quadro
é a gente apontar com uma política econômica que gere expectativa e esperança
para a sociedade brasileira”.
Não estaria tão otimista como Lula da Silva. Talvez a
desigual sociedade brasileira não lho conceda essa possibilidade, sobretudo como
o próprio Lula insinua, se houver uma convergência revanchista contra a ousadia
do PT ter governado durante estes anos. Não tenho também a certeza se o
processo de desoneração e isenção fiscal não foi o abre fantasmas de toda a
desgraça do PT. Mas que Lula está na luta, isso parece evidente e por mais que
isso nos possa parecer estranho se calhar com mais resistência do que a própria
Dilma.
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