sexta-feira, 15 de abril de 2016

O INTRIGANTE PETRÓLEO




(Eis a primeira de algumas das reflexões que importa fazer sobre um debate relativamente central na blogosfera económica mais recente, que se prende com as não esperadas consequências da baixa do preço do petróleo)

Enquanto procuro ganhar vontade para comentar a realidade política nacional, na qual os fantasmas de sempre (personagens que não são da função pública a negociar em seu nome, egos de secretários de estado, ministros inseguros, ocultação da situação real do sistema financeiro, nomeações indiscutíveis e justas de gente muito competente cuja comunicação não segue os canais normais) parecem também atravessar o governo de António Costa, avanço para um tema de momento que está a dividir os economistas. O incipiente estado da arte em que a macroeconomia se encontra está bem visível na sucessão interminável de questões concretas em que o conflito aberto de interpretações é a norma. E este é um desses casos.

Refiro-me à perceção de que a descida substancial do preço do petróleo não está a gerar o efeito estimulante do crescimento económico que muitos esperariam, sobretudo a partir do conhecido pressuposto de que os países importadores de petróleo apresentam uma propensão ao consumo superior aos dos exportadores de petróleo. Na medida em que estes perdem com a descida do preço e os outros ganham, a diferença de propensões à poupança justificaria um efeito líquido favorável ao crescimento económico.

Por mera coincidência, estou a ler uma importante obra do meu colega angolano José Cerqueira em que ele analisa, à luz da sua inovadora leitura da obra de Keynes, o problema gerado na economia angola induzido pela abrupta descida da massa de dólares entrados nesta economia por via do petróleo. Como esta leitura tem de obedecer ao sigilo de uma obra que ainda não foi divulgada e cujo comentário gostaria de partilhar primeiro com o autor, terei de contentar-me com algumas reflexões não propriamente com a originalidade da abordagem de José Cerqueira ao problema.

Os economistas sabiam que o fenómeno contrário, isto é, a subida do preço do petróleo induzido pelo comportamento da oferta tinha gerado uma combinação de inflação e de crescimento anémico, que foi então batizado de estagflação. Este fenómeno aparecia como resultado de custos mais elevados para as empresas que usam o petróleo como fonte de energia, que as levam a reduzir a produção, libertar trabalho e aumentar preços para cobrir custos.

O novo economista-chefe do FMI, Maurice Obstfeld, trabalhando já com informação do World Economic Outlook de 2016 que está já disponível (ver link aqui), interveio no debate com uma ideia que está a gerar ampla controvérsia. Das análises conduzidas pelo FMI, parece poder concluir-se que a queda de procura de petróleo nos países exportadores do mesmo é significativa, em linha com o esperado a partir do choque de preços nessas economias. O que surge como surpreendente é que essa queda de procura é também visível nos países importadores, em que tudo indicaria que os efeitos fossem positivos sobre a procura global de petróleo. O que faz gerar a questão: onde é que se terão manifestado os efeitos positivos da descida do preço dos barris?

A comparação com o contexto da estagflação é tentadora. No entanto, o peso do petróleo nos custos de produção é hoje menor, o que pode atrapalhar a pretensa simetria com os acontecimentos dos anos 70. A explicação controversa apresentada por Obstfeld é a seguinte. A descida do preço do petróleo estará a reduzir custos de produção e a pressionar em baixa a inflação. Porém, como os bancos centrais estão em ambiente de “zero lower bound” de taxas de juro, não podem diminuir as taxas de juro nominais e, assim, a taxa real de juro tende a aumentar reduzindo a procura. Mas a questão mais controversa ainda está para vir e vale a pena citar:

A proximidade do ‘zero bound’ pode também implicar uma resposta perversa ao aumento dos preços do petróleo. Quando os bancos centrais estão a combater pressões deflacionistas, terão dificuldade de aumentar agressivamente taxas de juro de referência para contrariar uma pequena subida da inflação. Como resultado disso, aumentos do preço do petróleo podem ser simetricamente expansionistas por via do efeito sobre a descida da taxa real de juro. Como é óbvio, seria errado concluir que os bancos centrais podem reforçar os benefícios dos hoje baixos preços do petróleo aumentando as taxas reais de juro. O nosso argumento consiste simplesmente em considerar que quando as condições macroeconómicas de um país importador de petróleo proporcionam uma taxa de juro do banco central muito baixa, uma queda de preços do petróleo pode influenciar a taxa real de juro de maneira a contrariar o efeito positivo de rendimento.”

Vale a pena analisar mais de perto esta controvérsia em posts seguintes. Para já duas referências importantes. Krugman, por exemplo, companheiro de trabalho e de investigação de Obstfeld nos seus primeiros anos de estrelato, avança por exemplo com a evidência de que as taxas de juro reais não terão aumentado, antes diminuído, com a descida dos preços de petróleo. Mostra para isso evidência dos títulos americanos a 10 anos indexados à inflação, que são uma medida indireta das expectativas de inflação a longo prazo, como se sabe não mensuráveis.
 


 Matt O’Brien no Wonkblog do Washington Post tem também uma excelente análise crítica da controversa tese assumida pelo economista-chefe do FMI. A sua crítica consiste em duvidar da causalidade que possa existir entre o comportamento dos preços do petróleo e das expectativas inflacionárias, já que teria de ser demonstrado uma relação entre os preços do petróleo e os preços das restantes mercadorias e serviços.

O tema é sugestivo e mostra bem como a encruzilhada da economia mundial é desafiadora.

Pela minha parte, o argumento de Obstfeld de que o “zero lower bound” obriga a reconsiderar os efeitos rendimento da descida dos preços do petróleo é relevante e merece atenção. Simplesmente, as taxas de juro nulas ou negativas são sintoma de algo mais profundo e aqui não desdenho o alcance das teses da estagnação secular. E, se assim for, não há preço de petróleo baixo que valha.

Sem comentários:

Enviar um comentário