(Eis a primeira de
algumas das reflexões que importa fazer sobre um debate relativamente central
na blogosfera económica mais recente, que se prende com as não esperadas consequências da baixa do preço do
petróleo)
Enquanto procuro ganhar vontade para comentar a realidade
política nacional, na qual os fantasmas de sempre (personagens que não são da
função pública a negociar em seu nome, egos de secretários de estado, ministros
inseguros, ocultação da situação real do sistema financeiro, nomeações
indiscutíveis e justas de gente muito competente cuja comunicação não segue os
canais normais) parecem também atravessar o governo de António Costa, avanço
para um tema de momento que está a dividir os economistas. O incipiente estado
da arte em que a macroeconomia se encontra está bem visível na sucessão
interminável de questões concretas em que o conflito aberto de interpretações é
a norma. E este é um desses casos.
Refiro-me à perceção de que a descida substancial do
preço do petróleo não está a gerar o efeito estimulante do crescimento
económico que muitos esperariam, sobretudo a partir do conhecido pressuposto de
que os países importadores de petróleo apresentam uma propensão ao consumo
superior aos dos exportadores de petróleo. Na medida em que estes perdem com a
descida do preço e os outros ganham, a diferença de propensões à poupança
justificaria um efeito líquido favorável ao crescimento económico.
Por mera coincidência, estou a ler uma importante obra do
meu colega angolano José Cerqueira em que ele analisa, à luz da sua inovadora
leitura da obra de Keynes, o problema gerado na economia angola induzido pela
abrupta descida da massa de dólares entrados nesta economia por via do
petróleo. Como esta leitura tem de obedecer ao sigilo de uma obra que ainda não
foi divulgada e cujo comentário gostaria de partilhar primeiro com o autor,
terei de contentar-me com algumas reflexões não propriamente com a
originalidade da abordagem de José Cerqueira ao problema.
Os economistas sabiam que o fenómeno contrário, isto é, a
subida do preço do petróleo induzido pelo comportamento da oferta tinha gerado
uma combinação de inflação e de crescimento anémico, que foi então batizado de
estagflação. Este fenómeno aparecia como resultado de custos mais elevados para
as empresas que usam o petróleo como fonte de energia, que as levam a reduzir a
produção, libertar trabalho e aumentar preços para cobrir custos.
O novo economista-chefe do FMI, Maurice Obstfeld,
trabalhando já com informação do World Economic
Outlook de 2016 que está já disponível (ver link aqui),
interveio no debate com uma ideia que está a gerar ampla controvérsia. Das
análises conduzidas pelo FMI, parece poder concluir-se que a queda de procura
de petróleo nos países exportadores do mesmo é significativa, em linha com o
esperado a partir do choque de preços nessas economias. O que surge como
surpreendente é que essa queda de procura é também visível nos países
importadores, em que tudo indicaria que os efeitos fossem positivos sobre a
procura global de petróleo. O que faz gerar a questão: onde é que se terão
manifestado os efeitos positivos da descida do preço dos barris?
A comparação com o contexto da estagflação é tentadora. No
entanto, o peso do petróleo nos custos de produção é hoje menor, o que pode
atrapalhar a pretensa simetria com os acontecimentos dos anos 70. A explicação
controversa apresentada por Obstfeld é a seguinte. A descida do preço do petróleo
estará a reduzir custos de produção e a pressionar em baixa a inflação. Porém,
como os bancos centrais estão em ambiente de “zero lower bound” de taxas de juro, não podem diminuir as taxas de
juro nominais e, assim, a taxa real de juro tende a aumentar reduzindo a
procura. Mas a questão mais controversa ainda está para vir e vale a pena
citar:
“A proximidade do ‘zero bound’ pode também implicar uma
resposta perversa ao aumento dos preços do petróleo. Quando os bancos centrais
estão a combater pressões deflacionistas, terão dificuldade de aumentar agressivamente
taxas de juro de referência para contrariar uma pequena subida da inflação. Como
resultado disso, aumentos do preço do petróleo podem ser simetricamente expansionistas
por via do efeito sobre a descida da taxa real de juro. Como é óbvio, seria
errado concluir que os bancos centrais podem reforçar os benefícios dos hoje
baixos preços do petróleo aumentando as taxas reais de juro. O nosso argumento consiste
simplesmente em considerar que quando as condições macroeconómicas de um país
importador de petróleo proporcionam uma taxa de juro do banco central muito
baixa, uma queda de preços do petróleo pode influenciar a taxa real de juro de
maneira a contrariar o efeito positivo de rendimento.”
Vale a pena analisar mais de perto esta controvérsia em
posts seguintes. Para já duas referências importantes. Krugman, por exemplo,
companheiro de trabalho e de investigação de Obstfeld nos seus primeiros anos
de estrelato, avança por exemplo com a evidência de que as taxas de juro reais
não terão aumentado, antes diminuído, com a descida dos preços de petróleo. Mostra
para isso evidência dos títulos americanos a 10 anos indexados à inflação, que são
uma medida indireta das expectativas de inflação a longo prazo, como se sabe não
mensuráveis.
Matt O’Brien no Wonkblog do Washington Post tem também uma excelente análise crítica da controversa tese assumida pelo economista-chefe do FMI. A sua crítica consiste em duvidar da causalidade que possa existir entre o comportamento dos preços do petróleo e das expectativas inflacionárias, já que teria de ser demonstrado uma relação entre os preços do petróleo e os preços das restantes mercadorias e serviços.
Matt O’Brien no Wonkblog do Washington Post tem também uma excelente análise crítica da controversa tese assumida pelo economista-chefe do FMI. A sua crítica consiste em duvidar da causalidade que possa existir entre o comportamento dos preços do petróleo e das expectativas inflacionárias, já que teria de ser demonstrado uma relação entre os preços do petróleo e os preços das restantes mercadorias e serviços.
O tema é sugestivo e mostra bem como a encruzilhada da
economia mundial é desafiadora.
Pela minha parte, o argumento de Obstfeld de que o “zero lower bound” obriga a reconsiderar
os efeitos rendimento da descida dos preços do petróleo é relevante e merece
atenção. Simplesmente, as taxas de juro nulas ou negativas são sintoma de algo
mais profundo e aqui não desdenho o alcance das teses da estagnação secular. E,
se assim for, não há preço de petróleo baixo que valha.
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