“Tomemos o verso e o reverso de uma nota de 20 dólares. Onde estava o rosto de Andrew Jackson, o presidente esclavagista, estará em breve o de Harriet Tubman, a escrava negra que ajudou a libertar vários outros escravos nos campos do Maryland. O rosto de Jackson passará a figurar nas costas da nota. A mudança tem um forte valor simbólico neste tempo em que outros sinais de escravatura persistem no mundo. O seu telemóvel, por exemplo, pode ter sido produzido com trabalho escravo infantil – documentos a que a Amnistia Internacional teve acesso confirmaram, já este ano, algo que não era propriamente um segredo: milhares de crianças com pouco mais de 10 anos recebem um dólar e meio por cada dia passado a extrair cobalto nas minas da República Democrática do Congo; esse cobalto é usado nas baterias comercializadas por uma empresa chinesa que abastece as grandes marcas tecnológicas. Uma notícia surgida nos jornais brasileiros no final de dezembro referia a libertação de quase mil pessoas utilizadas em trabalho escravo no Brasil só no ano passado. As notícias sobre trabalho escravo infantil na produção de cacau referem dois milhões de crianças nos campos do Gana e da Costa do Marfim – a indústria do chocolate paga tão pouco aos trabalhadores adultos que muitos deles, lê-se no jornal brasileiro de dezembro, nunca provaram chocolate na vida. O investigador norte-americano Benjamin Skinner, que é professor na Harvard Kennedy School, disse há tempos à Deutsche Welle que nunca houve tantos escravos como na atualidade. Embora existam mais de 300 tratados internacionais e mais de uma dezena de convenções universais exigindo o fim da escravatura e do comércio de escravos, este é ainda um problema que desafia o mundo moderno. Quantos escravos existem hoje no mundo?, perguntou-lhe o entrevistador; Benjamin Skinner respondeu: ‘como a escravidão é ilegal em qualquer parte do mundo, os traficantes escondem as suas vítimas, temendo as autoridades – em qualquer país, os escravos são uma população oculta, mas as estimativas mais amplamente aceites apontam para um número entre 12 milhões e meio e 27 milhões de escravos’. O que é que isso representa em comparação com o passado, perguntam-lhe; o investigador não hesita: ‘há mais escravos hoje do que em qualquer outro momento da história da Humanidade. Em tempos de crise, o valor da nota com o rosto de Harriet pode oscilar no mercado informal – o mercado das quinguilas dita uma lei mais forte do que o câmbio oficial definido nas grandes praças, tal como os grandes convénios que balizam as mais valorosas conquistas da Humanidade. Não devemos tomar, pois, as notas pela seu valor facial – mesmo a carga simbólica dos câmbios mais decisivos é desvalorizada pelas obscuras transações.”
Assim recordando a abolicionista afro-americana e com a mais que devida vénia ao Fernando Alves, aos seus “Sinais” e à TSF que os difunde...
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