(Que as instituições
europeias já há muito deixaram de ser europeias e agir como tal já o sabíamos, mas as evidências vão emergindo, uma a uma,
de forma cristalina)
A crónica de Wolfgang Mϋnchau no Financial Times de domingo é bem reveladora como denúncia de uma hipocrisia alemã, que gosta de
ser apresentada como a locomotiva da União Europeia e assim justificar algumas
das tomadas de posição que assume, invocando o interesse europeu.
O argumento de Mϋnchau é demolidor, pois ele afirma preto
no branco que o modelo alemão ameaça a estabilidade europeia. O que está em
causa é a estranha posição do ministro Schäuble que questionou a independência
do BCE e zurziu a bom zurzir nas taxas de juro negativas que o contorcionista Draghi
tem sido obrigado a praticar para tentar sacar da política monetária o que não
pode conseguir. Poderíamos imaginar que Schäuble é um ortodoxo monetarista e
que por isso se torce todo com a “habilidade” das taxas de juro negativas. Poderíamos
imaginar que o faz à luz dessas ideias e que até poderia estar a invoca-las na
sua interpretação do interesse europeu.
Mas o cronista do Financial Times conhece bem o sistema
financeiro e bancário alemão e sabe como o financiamento das empresas a partir
do mercado de capitais é incipiente, comparando-o com práticas americanas. E
sabe que a economia e a política alemãs dependem fortemente do sistema de banca
de poupança. Ora, com taxas negativas, ou essa banca de poupança repercute para
os seus aforradores esses custos que resultam de ter de depositar fundos no BCE.
Se isso acontecesse, os aforradores alemães transfeririam as suas contas para
contas seguras de depósito. Não será por acaso que, segundo Mϋnchau, Portugal e
a Alemanha partilham curiosamente uma característica (não parecidos que nós
somos!): os lucros antes de impostos dos bancos portugueses e alemães são
fortemente penalizados pelas taxas negativas. Tão voluntaristas e exigentes a
exigir reformas estruturais aos países da periferia, poderia perguntar-se por
que razão a economia alemã mantem essa vulnerabilidade. O cronista do FT vai ao
ponto de sugerir que isso não acontece dada a extrema cumplicidade que existe
entre a política local nos Lander e o funcionamento dessa banca de poupança.
Com problemas desta natureza, que são a negação do modo
como a união monetária deveria funcionar, não há projeto político europeu que
resista. E o pior é que isso é cada vez mais evidente para quem esteja minimamente
atento.
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