segunda-feira, 25 de abril de 2016

ONDE ESTAVAS TU NO 25 DE ABRIL?




(A frase de Baptista Bastos que virou chiste a partir da rábula do Herman é um bom pretexto para desfiar algumas memórias)

Eu sei que há quem se interrogue sobre as vantagens ou desvantagens de abril 74 continuar tão presente na sociedade portuguesa, pelo menos na representação que dela fazem as principais forças políticas portuguesas. Não deixo de compreender os que pensam que seria preferível consolidar de vez o que essa transformação política representou do ponto de vista da eliminação dos fantasmas do isolamento e do “orgulhosamente sós”, para nos concentrarmos decisivamente nos desafios que temos pela frente para dar algum sentido aos que sem qualquer proveito próprio (o nome de Salgueiro Maia é incontornável) arriscaram a vida e o seu futuro para dizer basta. Desafios que estão concentrados de facto na descoberta e desenvolvimento de um lugar europeu, pese embora a desconstrução emergente desse espaço. E que são talvez mais difíceis do que ter acabado com um regime que ruía por todos os lados. Mas rapidamente dou comigo a pensar que a preservação da memória recente é fundamental, uma vez que, já hoje e para uma larga maioria da população mais jovem, não se faz ideia alguma do estado de subdesenvolvimento e de arbitrariedades políticas e sociais a que o regime nos tinha votado, com reflexos avassaladores em termos de “path dependency” para os tempos futuros.

Por isso, quando hoje vi as primeiras imagens das comemorações na Assembleia da República e nas quais Ferro Rodrigues se esforçava por disfarçar a sua imagem de rigidez de pose e o rosto alindado e feliz da Zé Ribeiro, sua chefe de gabinete, transmitia alegria pela comemoração, descendo a escadaria da Assembleia para receber o Presidente Marcelo, achei que o símbolo é para preservar. Não é tanto o cravo como símbolo que importa conservar, mas antes o do significado da transformação democrática e do derrube dos estigmas do passado, dos quais as qualificações devem continuar a estar no centro das nossas prioridades, tamanho foi o stock acumulado de desqualificação que o regime nos deixou em termos de trajetórias familiares que só se apagarão com algumas gerações.

Mas onde estavas tu no 25 de abril? Estava no exército na administração militar, no Lumiar, em Lisboa, sentindo que se passava alguma coisa, mas sem ter disso conhecimento ou informação privilegiada. Tinha vivido o episódio das Caldas em Mafra, em condições de maior tensão, pois o ambiente de Mafra era mais tenso e pesava sobre a cabeça daquela enorme percentagem de licenciados ou com os cursos superiores a meio a possibilidade de ser chamado ao curso de Capitães e isso significa ex-colónias e guerra de África inexoravelmente. Percebia-se que estava algo no ar a ser germinado, mas percebia-se também que a organização do sigilo era exemplar.

Dos dias 25 de abril de 1974 ao 1 de maio foi um fervilhar de ideias e conversas nos meandros da unidade, onde foi possível identificar a posteriori quem estava informado e ao par do que ia suceder-se. Recordo-me que no Primeiro de Maio, sentia-se lá fora o ambiente e o ruído das manifestações de júbilo e, nesse dia, um conjunto de escritores claramente ligados ao PCP visitou (recordo-me pelo menos do Mário Castrim e do Carlos Oliveira, talvez o Saramago estivesse lá, já não me consigo recordar) revolucionou por completo a rotina de uma unidade militar. E assim vivi a transformação democrática.

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