sexta-feira, 15 de abril de 2016

OS FANTASMAS DO BANIF




(Com conflito de interesses dada a amizade que me liga ao governador do Banco de Portugal e sem qualquer informação privilegiada sobre a matéria, a libertação dos fantasmas ou rabos de palha do Banif gera uma situação particular de lose-lose, ou seja onde todos perdem)

À medida que vamos sendo surpreendidos pelas sucessivas revelações libertadas em torno do caso BANIF, mais se enraíza a minha convicção de que, em matéria de accountability e de escrutínio cidadão, as intervenções sobre a banca e sobre o sistema financeiro fazem temer o pior em termos de transparência e de validação democrática. E esta minha convicção não resulta apenas de um mal exclusivamente português, em que tudo é pequeno, em que há sempre alguém a ter que ver com alguma coisa relevante. Ela resulta até decisivamente da perceção de que a arquitetura da regulação financeira europeia coloca o banco central nacional em situação complicada, pois a delimitação dos campos de responsabilidades e intervenção dos bancos centrais nacionais e do BCE é complexa e as condições de exercício do estatuto de autoridade de resolução por parte do Banco de Portugal são precárias q.b.

Os últimos acontecimentos fazem prever o pior em termos de manutenção dos níveis de confiança entre governo e Banco de Portugal. Curiosamente, a mais do que promissora “prenda” Maria Luís Albuquerque parece ter o poder quase mágico de escapar por entre os grossos picos de chuva, granizada diga-se, e conseguir que pareça que foi o governo PS a conviver mais tempo com o dossier BANIF. O que é obra. Mas o dia 14 trouxe-nos uma escalada da conflitualidade. Senão vejamos. O ministro das Finanças é acusado de mentir à Comissão de Inquérito pelo PSD e o secretário de Estado Mourinho Félix acusa o Banco de Portugal de “falha de informação grave” e este último adjetivo teria necessariamente de incendiar a comunicação social, já que cheira a sangue de destituição possível do Governador.

No caso da alegada mentira do ministro Centeno à Comissão de Inquérito, regista-se o rocambolesco aparecimento de um correio eletrónico endereçado pela responsável da supervisão bancária no BCE a um personagem não identificado, no qual revela ter conversado com Centeno e Constâncio, tendo-lhe sido solicitado que intercedesse junto dos serviços da Comissão Europeia para desbloquear a proposta de aquisição do BANIF por parte do Santander. O furo político do PSD é evidente. Resta saber se esta conversa é ou não posterior à tomada de decisão de que só a proposta do Santander reuniria condições de aceitação. Se é anterior, há de facto desconformidade entre o que dela resulta e o lavar as mãos de Centeno na Comissão de Inquérito. Se foi posterior então não há desconformidade. De tudo isto fica a curiosidade de saber que esclarecimentos irá Centeno prestar à Comissão de Inquérito. Fica também a perceção de que um agente poderoso em todo este processo, a DG Concorrência da Comissão Europeia, tem um efetivo poder não escrutinado.

Quanto ao diferendo Governo – Governador, o que é mais marcante é que tudo indica que o secretário de Estado Mourinho Félix mantém a afirmação de “falha de informação grave” mesmo após se ter conhecimento do esclarecimento do Banco de Portugal. A questão aqui envolvida é mais técnica e de mais difícil avaliação. Pela nota de esclarecimento publicada pelo Banco de Portugal, percebe-se que, a 15 de dezembro de 2015, o BANIF tinha esgotado as suas possibilidades de mobilização de liquidez no âmbito de operações de política monetária pela falta de ativos de garantia elegíveis. A prova disso é que o banco iniciara nessa data o recurso à mobilização excecional de liquidez sem tais garantias elegíveis, as já célebres operações ELA de cedência de liquidez. Invoca o Banco de Portugal que, no âmbito dos seus deveres estatutários para com o BCE, estava obrigado a comunicar a cedência excecional de liquidez e de que por razões prudenciais recomendou ao BCE a “limitação do acesso desta instituição às operações de cedência de liquidez de política monetária (e crédito intradiário) ao saldo vivo que se verificava nesta data”. Frisa a nota do BP que essa proposta correspondia à medida menos gravosa possível em termos de ações discriminatórias por parte do Eurosistema, não implicando devolução de fundos. Dir-se-ia que o BP deu o mote e o Eurosistema deu o golpe, ou seja a determinação de uma medida mais gravosa, a suspensão de tais operações, ou seja, cheque mate ao banco.

É claro que a nota do Banco de Portugal é posterior à divulgação da ata do BCE por parte do Jornal de Negócios. O governo invoca falha de informação, pois em simultâneo tinha-lhe sido solicitado iniciativa concreta para obter financiamento adicional para o BANIF.

Que a comunicação do BP ao BCE me parece fundamentada nos seus deveres estatutários não tenho dúvidas. Mais discutível é a questão da necessidade de comunicação de tal decisão ao governo. Do ponto de vista do senso comum, não se compreende que tal comunicação não tenha sido feita. Em meu entender, a questão fundamental a discutir é a seguinte: não tendo existido essa comunicação, será que o BP foi consistente ao longo do tempo nesse tipo de comunicação não realizada aos governos com quem teve de interagir?

De qualquer modo, parece-me que todos perdem neste jogo estranho de atribuição de responsabilidades ao outro. Com todo este alarido, dispensava-se bem que um fogoso e creio que bem-intencionado Presidente da República, habituado a ser o primeiro a dar a notícia, se antecipasse a uma decisão que deveria ser comunicada normalmente pelo Banco de Portugal, a esperançosa nomeação de Elisa Ferreira e também de Máximo dos Santos para vice-governadores. A vida não está fácil para o meu amigo Governador e para ele vai a minha sincera admiração pela sua estoica resistência a mares tão agitados e não há nesta admiração qualquer tentativa de validação de decisões eventualmente menos felizes, que só o conhecimento integral do contexto em que foram produzidas nos permitirá com a distância necessária avaliar.

Chapeau!

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