(Com a devida vénia a Brad DeLong)
(”Considerando uma
definição de monetarismo como o pensamento económico que admite que as
economias podem ser estabilizadas apenas com recurso à política monetária, há boas razões para sustentar que tal
pensamento entrou em agonia e com perda clara de apoio político)
A política monetária gozou nos tempos chamados da Grande
Moderação de enorme prestígio e influência. A macroeconomia das turbulências e
da instabilidade estava domesticada. Houve mesmo quem suspeitasse que o ciclo
económico tinha desaparecido, tamanha era a capacidade da política monetária (e
dos bancos centrais como o seu principal agente) para travar expansões
inflacionistas e recessões. Ainda por cima, o sistema fechava-se lindamente,
pois a independência do banco central assegurava o controlo da contaminação
política, normalmente despesista. O mundo estava perfeito. As recessões eram
suaves e curtas. A inflação estava controlada. Nesse mundo reinava a ortodoxia
monetária. O seu domínio era tal que conseguiu ascender ao plano dos tratados
europeus. O BCE foi concebido à sua imagem e semelhança, como um deux-ex-machina dessa ortodoxia. Os
modelos macroeconómicos que suportavam a política monetária pressupunham
comportamentos racionais dos agentes económicos e a sua capacidade perfeita e
ilimitada de gestão da informação, com os mercados a equilibrarem-se
permanentemente.
O rescaldo e danos colaterais dos acontecimentos de
2007-2008 e a Grande Recessão que lhes sobreveio encarregaram-se de destruir as
convicções deste mundo perfeito. Os bancos centrais têm sido obrigados a um
contorcionismo de grande heterodoxia para lograr combater as ameaças
deflacionárias e fazer as economias mais avançadas retomar as condições do
crescimento. A Grande Recessão teve seguramente impactos menos salientes do que
a Grande Depressão dos anos 30, mas o período de tempo que tem demorado para as
economias regressarem aos valores anteriores a 2007-2008 tem sido uma
eternidade, constituindo a mais problemática recuperação macroeconómica da
história. Do contorcionismo dos bancos centrais faz parte um vasto rol de
medidas, com o chamado a metamorfosear-se constantemente à procura de novas
medidas para impactar a economia real. A melhor prova de que todas essas
piruetas ousadas foram insuficientes é o debate ainda existente, que já chegou
ao capítulo de ir ao armário procurar a medida das medidas, o chamado
Helicopter Money, desejavelmente vertido aos consumidores de forma direta sem
interferência bancária ou política.
E chegamos ao número das taxas de juro negativas, leia-se
taxas de juro nominais negativas, já que do ponto de vista real elas já o são
há muito tempo.
Stiglitz dedica às taxas de juro negativas uma boa crónica
de escárnio e mal dizer no Project Syndicate (ver link aqui) e ela deve estar a aparecer nos
jornais nacionais. As taxas reais negativas têm sido acompanhadas para espanto
dos modelos de suporte pela estagnação do investimento privado. Stiglitz
evidencia a reduzida sensibilidade das grandes empresas às variações da taxa de
juro em tempos de grandes massas de liquidez e o facto das pequenas e médias
empresas não se financiarem nos mercados de capitais mas antes na banca. Ora,
os bancos racionam crédito e os spreads
entre a taxa de juro de referência e a que os bancos emprestam pode ser
elevada. E, mistério dos mistérios, Stiglitz sublinha a também evidência de que
os bancos estão ausentes nos principais modelos macroeconómicos de suporte à
política dos bancos centrais, ou seja não desempenham qualquer papel no
funcionamento destes modelos.
Se estão chocados, e há razão plausível para isso, Stiglitz
acrescenta três efeitos perversos da insistência na pirueta das taxas:
primeiro, a baixa das taxas tende a incrementar a utilização de tecnologias
mais intensivas em capital; segundo, as populações idosas sofrem um
extremamente forte choque negativo de negativo, já que dependem dos juros de
poupanças; terceiro, há uma tendência de deslocação dos investidores para
ativos mais arriscados, aumentando a instabilidade financeira.
Tudo isto simplesmente porque os bancos centrais se têm
recusado a admitir o óbvio, a agonia do monetarismo e a rejeitar a ideia de que
o grande problema da economia mundial é um problema de procura global.
Sim, de facto, a política monetária não consegue por si só
estabilizar a macroeconomia de hoje. O que é que será preciso fazer para que o
establishment económico se convença disso?
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