sábado, 16 de abril de 2016

SERÁ O FIM DO MONETARISMO?

(Com a devida vénia a Brad DeLong)


(”Considerando uma definição de monetarismo como o pensamento económico que admite que as economias podem ser estabilizadas apenas com recurso à política monetária, há boas razões para sustentar que tal pensamento entrou em agonia e com perda clara de apoio político)

A política monetária gozou nos tempos chamados da Grande Moderação de enorme prestígio e influência. A macroeconomia das turbulências e da instabilidade estava domesticada. Houve mesmo quem suspeitasse que o ciclo económico tinha desaparecido, tamanha era a capacidade da política monetária (e dos bancos centrais como o seu principal agente) para travar expansões inflacionistas e recessões. Ainda por cima, o sistema fechava-se lindamente, pois a independência do banco central assegurava o controlo da contaminação política, normalmente despesista. O mundo estava perfeito. As recessões eram suaves e curtas. A inflação estava controlada. Nesse mundo reinava a ortodoxia monetária. O seu domínio era tal que conseguiu ascender ao plano dos tratados europeus. O BCE foi concebido à sua imagem e semelhança, como um deux-ex-machina dessa ortodoxia. Os modelos macroeconómicos que suportavam a política monetária pressupunham comportamentos racionais dos agentes económicos e a sua capacidade perfeita e ilimitada de gestão da informação, com os mercados a equilibrarem-se permanentemente.

O rescaldo e danos colaterais dos acontecimentos de 2007-2008 e a Grande Recessão que lhes sobreveio encarregaram-se de destruir as convicções deste mundo perfeito. Os bancos centrais têm sido obrigados a um contorcionismo de grande heterodoxia para lograr combater as ameaças deflacionárias e fazer as economias mais avançadas retomar as condições do crescimento. A Grande Recessão teve seguramente impactos menos salientes do que a Grande Depressão dos anos 30, mas o período de tempo que tem demorado para as economias regressarem aos valores anteriores a 2007-2008 tem sido uma eternidade, constituindo a mais problemática recuperação macroeconómica da história. Do contorcionismo dos bancos centrais faz parte um vasto rol de medidas, com o chamado a metamorfosear-se constantemente à procura de novas medidas para impactar a economia real. A melhor prova de que todas essas piruetas ousadas foram insuficientes é o debate ainda existente, que já chegou ao capítulo de ir ao armário procurar a medida das medidas, o chamado Helicopter Money, desejavelmente vertido aos consumidores de forma direta sem interferência bancária ou política.

E chegamos ao número das taxas de juro negativas, leia-se taxas de juro nominais negativas, já que do ponto de vista real elas já o são há muito tempo.

Stiglitz dedica às taxas de juro negativas uma boa crónica de escárnio e mal dizer no Project Syndicate (ver link aqui) e ela deve estar a aparecer nos jornais nacionais. As taxas reais negativas têm sido acompanhadas para espanto dos modelos de suporte pela estagnação do investimento privado. Stiglitz evidencia a reduzida sensibilidade das grandes empresas às variações da taxa de juro em tempos de grandes massas de liquidez e o facto das pequenas e médias empresas não se financiarem nos mercados de capitais mas antes na banca. Ora, os bancos racionam crédito e os spreads entre a taxa de juro de referência e a que os bancos emprestam pode ser elevada. E, mistério dos mistérios, Stiglitz sublinha a também evidência de que os bancos estão ausentes nos principais modelos macroeconómicos de suporte à política dos bancos centrais, ou seja não desempenham qualquer papel no funcionamento destes modelos.

Se estão chocados, e há razão plausível para isso, Stiglitz acrescenta três efeitos perversos da insistência na pirueta das taxas: primeiro, a baixa das taxas tende a incrementar a utilização de tecnologias mais intensivas em capital; segundo, as populações idosas sofrem um extremamente forte choque negativo de negativo, já que dependem dos juros de poupanças; terceiro, há uma tendência de deslocação dos investidores para ativos mais arriscados, aumentando a instabilidade financeira.

Tudo isto simplesmente porque os bancos centrais se têm recusado a admitir o óbvio, a agonia do monetarismo e a rejeitar a ideia de que o grande problema da economia mundial é um problema de procura global.

Sim, de facto, a política monetária não consegue por si só estabilizar a macroeconomia de hoje. O que é que será preciso fazer para que o establishment económico se convença disso?


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