(Por mais que os
detratores da geringonça queiram impressivamente adornar a vinda de Draghi ao
Conselho de Estado o único
elemento objetivo de análise que podemos utilizar é a apresentação inicial do
Presidente do BCE publicada na página da instituição)
A direita, bem representada em alguma comunicação social
que resiste como pode ao incómodo de ter que aguentar com um governo do PS, por
mais frágil que ela possa parecer, e por alguns iluminados que escrevem para o
Observador, esforçou-se por ver na participação de Mario Draghi no Conselho de
Estado um puxão indireto de orelhas ao governo em funções. Outros mais cabalistas
viram nessa participação uma inteligente jogada de Marcelo para ganhar margem
de manobra e, mais tarde, pode influenciar a atuação do Governo na direção que
entender.
Não sou obviamente ingénuo ao ponto de acreditar que as
palavras de Draghi após a apresentação inicial que conhecemos tenham sido
similares aos do texto escrito. O presidente do BCE terá sido mais explícito
nas respostas às questões que tenham sido colocadas. Mas a verdade é que não as
sabemos. António Lobo Xavier foi muito contido na sua nova postura de
Conselheiro de Estado, não embandeirou em arco, deixou apenas cair a ideia de
que Draghi terá dito coisas relevantes para a resposta aos problemas
portugueses. Não sabemos em que sentido e para que problemas. Também não tenho
dúvidas de que Marcelo terá utilizado o contacto inicial com Draghi para fazer
passar algumas mensagens (sobretudo a questão Angola) e por isso é com algum
desdém que encaro a posição daqueles que acharam a participação de Draghi uma
modernice a não repetir, coo foi o caso de Jorge Coelho, que se considerou
muito conservador nestas coisas. De vez em quando, há assim umas personalidades
que descobrem de repente a autonomia e a independência nacional, como se de
facto a economia portuguesa não estivesse fortemente dependente da forma como
as instituições europeias acomodarem a nossa situação muito particular.
Da leitura da apresentação inicial de Draghi não é possível
inferir o puxão de orelhas ao Governo que alguns viram na sua vinda a Portugal.
Trata-se de uma intervenção no tom já conhecido da combinação entre política monetária
audaciosa e reformas estruturais, sim, as famigeradas reformas estruturais que as
instituições europeias glosam como a grande solução para o ambiente estagnacionista
e deflacionário que se vive. E não me admira que em alguma exemplificação que
tenha realizado tenha colocado as reformas do mercado de trabalho como recado para
Governo ouvir.
Não sei se alguém terá perguntado ao Snr. Draghi,
pergunta que teria feito com gosto, o que pensa ele da capacidade das medidas por
ele anunciadas em Março (dia 10, mais precisamente) impactar a economia real
nas economias da periferia europeia. É que o BCE, desejoso de alargar a incidência
da sua já ousada política monetária, anunciou um novo programa, o CSPP (Corporate
Sector Purchase Programme), com o qual Draghi espera reativar as pressões inflacionistas.
O CSPP representa um novo canal de política monetária, já que se trata de uma
compra de títulos que dispensa a intermediação bancária, pela qual tem falhado
a relação mais intensa com a economia real. É que não são conhecidas as opções
que vão ser assumidas em matéria de critérios de seleção dos títulos que vão
ser comprados e em que países é que vão incidir. Na verdade, não é difícil imaginar
que o risco da compra de títulos ser operada essencialmente nas economias mais
avançadas da Europa é muito elevado. Além disso, continua a desconhecer-se quem
realizará tais compras. Serão os bancos centrais nacionais ou serão selecionados
operadores específicos para o efeito? Uma boa pergunta seria o que pensa Draghi
acerca do verdadeiro impacto do novo programa na economia portuguesa com as
suas fragilidades já conhecidas. E será que o Francisco Louça de gravata terá
feito a pergunta que um Louçã sem gravata ousaria fazer?
O BCE pode continuar a fazer o seu número de
contorcionismo inventivo, mas não se livra da inconsistência de o fazer sem um
complemento pujante de política fiscal.
O rei vai nu, definitivamente nu, mas ninguém parece decidido
a dizê-lo claramente perante todos.
Sem comentários:
Enviar um comentário