sábado, 9 de abril de 2016

DRAGHI NO CONSELHO DE ESTADO




(Por mais que os detratores da geringonça queiram impressivamente adornar a vinda de Draghi ao Conselho de Estado o único elemento objetivo de análise que podemos utilizar é a apresentação inicial do Presidente do BCE publicada na página da instituição)

A direita, bem representada em alguma comunicação social que resiste como pode ao incómodo de ter que aguentar com um governo do PS, por mais frágil que ela possa parecer, e por alguns iluminados que escrevem para o Observador, esforçou-se por ver na participação de Mario Draghi no Conselho de Estado um puxão indireto de orelhas ao governo em funções. Outros mais cabalistas viram nessa participação uma inteligente jogada de Marcelo para ganhar margem de manobra e, mais tarde, pode influenciar a atuação do Governo na direção que entender.

Não sou obviamente ingénuo ao ponto de acreditar que as palavras de Draghi após a apresentação inicial que conhecemos tenham sido similares aos do texto escrito. O presidente do BCE terá sido mais explícito nas respostas às questões que tenham sido colocadas. Mas a verdade é que não as sabemos. António Lobo Xavier foi muito contido na sua nova postura de Conselheiro de Estado, não embandeirou em arco, deixou apenas cair a ideia de que Draghi terá dito coisas relevantes para a resposta aos problemas portugueses. Não sabemos em que sentido e para que problemas. Também não tenho dúvidas de que Marcelo terá utilizado o contacto inicial com Draghi para fazer passar algumas mensagens (sobretudo a questão Angola) e por isso é com algum desdém que encaro a posição daqueles que acharam a participação de Draghi uma modernice a não repetir, coo foi o caso de Jorge Coelho, que se considerou muito conservador nestas coisas. De vez em quando, há assim umas personalidades que descobrem de repente a autonomia e a independência nacional, como se de facto a economia portuguesa não estivesse fortemente dependente da forma como as instituições europeias acomodarem a nossa situação muito particular.

Da leitura da apresentação inicial de Draghi não é possível inferir o puxão de orelhas ao Governo que alguns viram na sua vinda a Portugal. Trata-se de uma intervenção no tom já conhecido da combinação entre política monetária audaciosa e reformas estruturais, sim, as famigeradas reformas estruturais que as instituições europeias glosam como a grande solução para o ambiente estagnacionista e deflacionário que se vive. E não me admira que em alguma exemplificação que tenha realizado tenha colocado as reformas do mercado de trabalho como recado para Governo ouvir.

Não sei se alguém terá perguntado ao Snr. Draghi, pergunta que teria feito com gosto, o que pensa ele da capacidade das medidas por ele anunciadas em Março (dia 10, mais precisamente) impactar a economia real nas economias da periferia europeia. É que o BCE, desejoso de alargar a incidência da sua já ousada política monetária, anunciou um novo programa, o CSPP (Corporate Sector Purchase Programme), com o qual Draghi espera reativar as pressões inflacionistas. O CSPP representa um novo canal de política monetária, já que se trata de uma compra de títulos que dispensa a intermediação bancária, pela qual tem falhado a relação mais intensa com a economia real. É que não são conhecidas as opções que vão ser assumidas em matéria de critérios de seleção dos títulos que vão ser comprados e em que países é que vão incidir. Na verdade, não é difícil imaginar que o risco da compra de títulos ser operada essencialmente nas economias mais avançadas da Europa é muito elevado. Além disso, continua a desconhecer-se quem realizará tais compras. Serão os bancos centrais nacionais ou serão selecionados operadores específicos para o efeito? Uma boa pergunta seria o que pensa Draghi acerca do verdadeiro impacto do novo programa na economia portuguesa com as suas fragilidades já conhecidas. E será que o Francisco Louça de gravata terá feito a pergunta que um Louçã sem gravata ousaria fazer?

O BCE pode continuar a fazer o seu número de contorcionismo inventivo, mas não se livra da inconsistência de o fazer sem um complemento pujante de política fiscal.

O rei vai nu, definitivamente nu, mas ninguém parece decidido a dizê-lo claramente perante todos.

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