Não há melhor palavra para descrever a minha preferida maneira
de usufruir da Cidade do que o termo flâneur.
Não é diletância, é apenas a inexistência de uma outra expressão que melhor
descreva o errar pelas memórias afetivas da Cidade, embora determinado pela
necessidade de cumprir um ato prosaico, o aparar o cabelo e a barba branca na
Invicta, que faz hoje 48 anos.
Pois esse ato prosaico e de rotina irregular
transporta-me para uma zona da Cidade de todas as memórias, o Carmo e as suas
imediações. E aqui a Cidade sob a pressão turística renova-se incessantemente. Hoje,
a fila de estrangeiros embasbacados para entrar na Lello era imensa, um trompete
troante e poderoso ecoava na Praça dos Leões também de todas as memórias, a
Praça de Lisboa estava esfusiante de gente, imaginem às onze da manhã. O espaço
dos velhos Armazéns do Castelo está finalmente renovado e a Ach Brito ocupou-o
com uma loja atrativa de utilidades e adornos, onde comprei um delicioso carro
de bombeiros em madeira para o Francisco. A antiga livraria da Imprensa Nacional
em frente ao Diplomata está finalmente ocupada e a papelaria Sousa Ribeiro do
meu colega e amigo Zé Sousa Ribeiro preenche esse espaço com uma montra de
fazer água na boca a artistas. Sucedem-se os espaços de restauração, algumas
lojas de decoração mais alternativa emergem e a loja da Universidade do Porto
está cada vez mais apelativa, estimulando o bom gosto estético. Os turistas devoravam
os elétricos que circulavam pela Praça em frente ao piolho, onde acabei com um
café e uns dedos de leitura.
A capa do Wine Spectator era apelativa pois tinha uma
imagem de Sting e da sua mulher Trudie que materializava a reportagem da
revista em torno da sua quinta Il Palagio na Toscânia onde o casal se dedica à
produção de vinho. Mas o que ficou na memória desta manhã de flâneur acidental foi
uma publicidade da Illy, o meu café de referência, com um texto de Francis Ford
Coppola, a melhor maneira de fechar este relato matinal:
“Sou um amante do cinema, do vinho e do café. Pensei sobre
a correlação existente entre estas paixões e cheguei à conclusão de que cada
uma delas combina dois dos meus interesses ao longo da vida – ciência e contar
histórias. Sempre adorei gadgets e recordo vivamente a primeira vez em que o
Ernest veio visitar-me. Ele dirigiu-se à máquina Expresso e gastou cerca de 20
minutos a inspecioná-la e ajustá-la. Enquanto isso, dizia-me: ‘Os produtores de
vinho têm muita sorte. Depois da produção, só têm que verter o vinho para um
copo. Nós temos de conseguir a trituração ideal do café, a temperatura adequada
da água, a pressão ideal e o fluxo ideal’”.
Um bom dia para todos.
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