sábado, 6 de janeiro de 2024

A CENTRAL DE COMUNICAÇÃO DO MP

 


(À medida que vamos tomando contacto com as primeiras páginas dos jornais, dos mais respeitáveis aos execráveis tabloides, vai-se percebendo que a emergência das notícias que anunciam investigações do Ministério Público será tudo menos aleatória. A distribuição temporal dos pontos noticiosos fulcrais vai acompanhando sem pudor a sucessão das agendas políticas partidárias e vamos compreendendo também que a sensação de distribuição das investigações pelas aldeias políticas vai procurando transmitir uma noção de equidade das investigações. Essa falsa noção de equidade coloca em cheque em meu entender a estratégia do MP, que já não consegue disfarçar que tem uma agenda justicialista que visa desacreditar as forças políticas partidárias, tentando emergir na sociedade portuguesa como a salvadora da moral política, mesmo que a prazo possa ser capturada por alguma força políticas com menos escrúpulos. Obviamente que o Congresso do PS de consagração da liderança de Pedro Nuno Santos iria sempre funcionar como um acelerador da agenda de comunicação do MP. Assim aconteceu e a ideia da falsa equidade teria também de aparecer, como efetivamente apareceu com as notícias em torno da estapafúrdia casa de Montenegro em Espinho e hoje até o PCP aparece referenciado com algo relacionado com um projeto imobiliário. Não me admiraria que algo fosse desenterrado em relação ao Bloco de Esquerda. Moral da história: a democracia portuguesa não poderá conviver muito tempo mais com uma central de comunicação do MP a funcionar como arauto do justicialismo e da moralização política. No recato da sua casa ou abertamente na sua mediática varanda ou simplesmente ao volante da sua viatura também mediática, Rui Rio deverá estar satisfeito pois foi praticamente o único agente político com expressão a denunciar esta deriva do MP e, mais do que isso, a oferecer o seu apoio a uma abordagem do problema, que o PS recusou.)

 

A vulnerabilidade de um sistema de investigação à artimanha das denúncias anónimas acompanhadas de uma filtragem incompetente, não séria, ou simplesmente negligente introduz na democracia portuguesa um fator inaceitável e insuportável de insegurança e de fragilidade. Esta vulnerabilidade, desde que seja gerida por uma agenda não séria ou pelo menos suspeita nas suas intenções, tenderá a produzir danos incalculáveis ao sistema democrático, sobretudo num contexto em que outros fatores, amplamente discutidos neste blogue, de erosão dos sistemas democráticos.

Nunca acreditei na existência nas sociedades, e a portuguesa não é exceção, de grupos sociais ou profissionais puros e perfeitos, suscetíveis de ser os representantes regeneradores da sociedade e dos sistemas políticos e democráticos. Ovelhas tresmalhadas existirão sempre em todos os grupos sociais e profissionais, assim também como personalidades capazes de liderar processos de transformação e de apuramento de princípios poderão sempre ter origens sociais e profissionais diversas. Quando essa ilusão de grupos sociais ou profissionais predestinados emerge e tem a servi-la a organização corporativa e a ideia de não escrutínio, então verdadeiramente o caldo da democracia está entornado. Acresce que a formação jurídica dos corpos do MP já viveu melhores dias. E a pergunta inevitável coloca-se: porque carga de água poderia ser o MP a fonte de salvação do sistema democrático? Serão os seus membros exemplos inequívocos de exercício desinteressado e nobre do serviço público, renunciando a mordomias inexplicáveis?

Em conclusão, a democracia portuguesa não poderá por muito mais tempo resistir a esta vulnerabilidade. A corda pode romper e não é seguro que o seu rompimento sirva as forças políticas mais interessadas na dignificação da democracia.

 

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