(As universidades americanas, particularmente as de elite ou da primeira Liga conforme lhe queiram chamar, vivem momentos conturbados no âmbito do que poderíamos designar de transição de um sistema baseado no mérito e na excelência individuais para um outro essencialmente baseado na afirmação inclusiva da diversidade. Essa transformação teve segundo alguns analistas a sua origem numa decisão do Supremo Tribunal de 1978 que consagrou o princípio da afirmação da diversidade como orientação a respeitar pelas administrações universitárias. Nos últimos tempos, tem sido a Universidade de Harvard a estar no centro de todas as controvérsias, com a sua Presidente Claudine Gay, uma professora negra especialista em temas de ciência política da governança e estudos africanos, que acabou por não conseguir resistir aos trambolhões do mais puro wokismo em que esteve envolvida, com as questões de plágio a determinar a cessação do posto de Presidente.)
Já em 2005, uma figura bem mais conhecida do que Claudine Gay, mais especificamente o tantas vezes referido neste blogue Lawrence Summers, foi obrigado a resignar do seu posto de reitor ou Presidente de Harvard na sequência de declarações infelizes que atribuíam às mulheres uma menor capacidade de literacia matemática do que a dos homens. Essa resignação deixou sérias marcas e durante largo tempo Summers viu-se envolvido numa onda de reprovação das suas afirmações, das quais aliás teve grande dificuldade em distanciar-se.
Nos tempos mais recentes, o que tem estado em discussão é sobretudo a tendência perniciosa e enviesada para transformar o princípio da afirmação da diversidade inclusiva num modelo de funcionamento, multiplicando cláusulas de exceção em domínios controversos como o racial, as questões de género e nos tempos ainda mais recentes questões relacionadas com um eventual anti-semitismo atribuível à Presidência de Claudine Gay.
Nestas coisas do cancelamento e do wokismo mais desmiolado à solta, é frequente o feitiço voltar-se contra o feiticeiro. Respeitando a regra, o curriculum de investigação de Claudine Gay começou a ser escrutinado e começaram a circular interrogações sobre as razões que terão levado alguém com uma produção tão débil (apenas artigos de jornal e sem uma única obra de referência) a ocupar a Presidência de uma das importantes Universidades do mundo. Os tempos atuais são um verdadeiro combustível para controvérsias violentas e como seria de esperar o anti-semitismo entrou na liça, atiçando ainda mais a já muito criticada Presidência de Harvard, a qual nunca conseguiu fundamentar a sua escolha além do facto de ser uma professora negra.
O problema é que, no contexto atual das repercussões da guerra entre o Hamas e Israel na sociedade e na política americana, não podem também ser ignoradas as fortes pressões de alguns Republicanos para a substituição de Claudine Gay. Neste momento, em que no dia 2 a Presidente de Harvard apresentou a sua demissão não é fácil perceber de que maneira as acusações de plágio em alguns dos seus artigos e a acusação de promoção do anti-semitismo se misturam ou diferenciam.
O que me parece ressaltar de toda esta grande confusão numas das mais prestigiadas Universidades do mundo é o caráter perigoso de transformar o princípio da afirmação da diversidade inclusiva em modelo de funcionamento global. Aliás, tal como o referi aqui com algum desassombro a propósito das derivas de ego predador de Boaventura Sousa Santos, quando a ciência se mistura perigosamente com o militantismo político e social podemos esperar o pior. Isto por mais sensíveis que sejamos ao princípio da afirmação da diversidade inclusiva e também a ciência, designadamente as ciências sociais, devam também elas contribuir para explicar e denunciar a transversalidade das condições de desigualdade.
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