sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

BLOQUEAMENTOS

 

Pedro Magalhães continua a ser uma das vozes mais sérias na sociedade portuguesa em matéria de questões eleitorais. O seu último texto (“Bases sociais das intenções de voto em 2023”, datado de 15 de janeiro passado) assim o revela uma vez mais, fornecendo elementos substanciais para a análise do que poderão ser os desenvolvimentos em torno das próximas eleições legislativas. Não sendo este o local certo, nem eu próprio um especialista suficientemente versado na matéria, quero aqui chamar a atenção para o facto e ilustrar a importância do seu contributo através de um tópico particular mas decisivo: o gráfico acima, reproduzido do escrito citado, vem ao encontro de outros contributos no mesmo sentido (veja-se, p.e., o de Vítor Bento no “Observador”, nomeadamente “Os números por detrás de um gráfico surpreendente” de 8/2/2022) e é efetivamente concludente quanto ao bloqueamento político que atravessa Portugal e à enormidade dos riscos com que o país está confrontado ao ir observando impotentemente (i.e., sem reação visível e capaz por parte das forças democráticas) a crescente alienação das suas franjas populacionais potencialmente mais dinâmicas e dotadas de energia transformadora (como são, muito especialmente, os jovens), por um lado, e o excessivo lastro eleitoral associado às camadas idosas e “dependentes do Estado” nos resultados das ditas forças democráticas, por outro.


 

Entretanto, a pré-campanha prossegue num quadro ainda relativamente morno e em que são de registar alguns aspetos que reputo de sinalizadores: (i) o PS de Pedro Nuno Santos parece continuar a liderar as sondagens, fruto da forma inteligente como se posicionou para o combate em vista, mas nada indica que os ataques de caráter ou irresponsabilidade política não vão recrudescer e exigir dele(s) um brutal jogo de cintura em termos de frieza estratégica; (ii) o PSD de Luís Montenegro é, até ver, a minha maior fonte de perplexidade, sobretudo porque não soube aproveitar os meses de novembro e dezembro (em que o PS esteve voltado para dentro, a lamber feridas e a preparar caminhos) para se afirmar em termos de proposta e ganho de credibilidade, sendo que começa agora a dar alguns passos mais prometedores (dos economistas independentes que o apoiam ou com ele colaboram à Convenção anunciada para o próximo fim de semana), a despeito das inúteis querelas internas em que se deixou envolver na constituição das listas de candidatos a deputado; (iii) o Chega já consolidou o estatuto de terceiro partido indiscutível e até vai proclamando querer mais, embora desejavelmente a maior mobilização do PSD lhe vá retirando condições para tal acontecer, sem prejuízo da sua continuada radicalização (veja-se, no “Público” de hoje o excelente “Ventura não se moderou. Pelo contrário” de Francisco Mendes da Silva) e da consequente viabilidade dos 16% a 20% que lhe vaticinam; (iv) o Iniciativa Liberal está um pouco desaparecido em combate, fruto de disputas internas fratricidas e vãs, mas sempre conseguirá manter, pelo menos, os números da última votação; (v) as restantes forças à esquerda do PS não dão mostras de poderem vir a interferir com significância nas grandes decisões do pós-10 de março, com o Bloco e o Livre a subirem ligeiramente e o PCP a afundar-se; (vi) o mesmo para o PAN, que aqui só merece um item autónomo porque ninguém consegue saber de que lado se situa, um partido que elegerá dois deputados que talvez (não) tenham (?) um papel desequilibrador na solução governativa que se procurará encontrar.


(cartoon de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

Neste quadro, o que vamos ter seguramente é mais do foro da ingovernabilidade e instabilidade do que algo de contrário e bem mais desejável. Até já há quem preveja um Pedro Nuno Santos ou um Luís Montenegro (o que vencer, necessariamente por pequena diferença) a formar um governo que poderá chumbar na AR mas terá de permanecer até a um próximo ato eleitoral, sendo que no primeiro caso o líder do PSD sairia de cena para dar lugar a um sucessor que aceite associar-se com o Chega sem estar preso a uma promessa (maldita) de nunca o fazer. Todavia, o encanto da política, estando claramente contido neste tipo de interrogações, está-o preferencialmente no modo imprevisto como a elas a realidade responderá no momento certo. Resta-nos esperar.

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