quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

A FUTURA GUERRA PELA PROFUNDIDADE DOS OCEANOS

 

                                                        (Jornal Público)

(Certamente que não estaríamos à espera que fosse a Noruega a iniciar as “hostilidades” pela exploração do conteúdo mineral do fundos dos oceanos. Mas já há algum tempo que, em torno das chamadas zonas exclusivas marítimas, se percebia que a exploração do potencial mineral dos oceanos profundos estava na mira de uma exploração económica mais consequente. Digo que é inesperada a chegada da Noruega ao processo, porque apesar de se tratar de um país de exploração de petróleo, e a riqueza do seu Fundo Soberano não engana ninguém, estamos habituados a situar a Noruega na vanguarda da sustentabilidade ambiental. Mas recursos são recursos e como se percebe pela investigação existente (em Portugal o labor do INESCTEC e do CIIMAR nessa matéria deve ser sublinhado) o potencial mineral dos oceanos profundos é imenso. O único problema que tem atrasado a corrida é que se trata de uma exploração a longo prazo com custos de investimento ainda não bem quantificados. As barreiras à entrada nessa exploração vão ser muito elevadas e certamente que países de dimensão económica como a de Portugal irão ter dificuldades notórias em iniciar uma trajetória persistente nessa onda de exploração. Pelas notícias que nos chegam, a Noruega estará a lançar os primeiros concursos de abertura à iniciativa empresarial privada para a exploração desse potencial, obviamente sujeitos a uma forte contestação de organizações ambientalistas, depois de a nível político a decisão estar tomada. )

 

Vamos ter aqui seguramente mais uma frente de debate intenso em torno dos rumos da sustentabilidade ambiental. No caso da Noruega, o que parece estar na mira da abertura de oportunidades de exploração é a possibilidade de acesso a minerais considerados essenciais para o avanço da revolução dos veículos elétricos, designadamente para contrariar a superioridade chinesa nessa matéria, que tanto tem influenciado o ritmo a que a produção chinesa de veículos como o BYD ou XIAOMI tem evoluído, assegurando-lhe uma dianteira que é hoje inequívoca e saliente.

Contrapõem as agências ambientais a este potencial de exploração essencialmente os riscos de que tal exploração possa representar uma machadada impiedosa na biodiversidade marinha, ela própria já fortemente ameaçada pela contaminação de outros fatores poluentes como a invasão do plástico e a sua transformação em micro-partículas. Além disso, os ambientalistas questionam a mobilização dos recursos dos oceanos profundos para resolver o problema de produção de baterias para os veículos elétricos, considerando que a evolução em curso tem conseguido encontrar alternativas de fornecimento de materiais intermédios. Se acrescentarmos a esta controvérsia marinha a que tem emergido em torno da exploração terrestre de lítio (veja-se o clamor suscitado em Portugal em várias zonas do nosso território), compreende-se rapidamente que a projetada solução dos veículos elétricos para acelerar a descarbonização do transporte privado e do público também enfrentará relevantes conflitos de sustentabilidade.

No meu modesto entender, estamos perante domínios em que o debate público não pode ser organizado em função de meias-verdades ou de divulgação truncada de conhecimento científico, como tem acontecido em Portugal. Estamos, pelo contrário, perante a necessidade de termos acesso a todo o conhecimento científico disponível e sobretudo perante a necessidade de uma avaliação rigorosa de todos os caminhos possíveis para a construção da sustentabilidade. Daqui se infere a relevância de acompanharmos de perto o que vai acontecer na Noruega. A exploração dos oceanos profundos não será seguramente neutra em termos de preservação da biodiversidade e por isso será imperioso perceber como é que a opinião pública norueguesa abordará o problema da possível conflitualidade de objetivos.

 

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