Terminado o 24º Congresso do Partido Socialista, e também assinado o acordo de coligação que constitui uma nova Aliança Democrática, vêm aí agora dois meses expectavelmente frenéticos de luta partidária na procura de ser disputado o tipo de poder que comandará o próximo ciclo político. Por decisiva que esta seja, e com ela os nomes e currículos dos seus protagonistas ou os programas com que os mesmos se apresentem, o meu entendimento é o de que tal não é o essencial na atual fase da sociedade portuguesa. Porque o essencial está no seu bloqueamento, que se nos impõe desde há décadas perante a manifesta impotência dos nossos cidadãos (das acobardadas elites à desmotivada classe média e à desligada e empobrecida generalidade dos restantes), e, portanto, na necessidade de ultrapassar drasticamente esse estado de coisas, numa palavra de mudarmos de vida. Neste quadro de urgência de uma mobilização coletiva e correspondentes “opções inadiáveis”, importarão relativamente menos as referências individualizadas a determinados “casos e casinhos” ou ao debate sobre erros e fazedores, as preocupações comentaristas com a medida do grau de adoção do chamado “legado de Costa”, os esforços deste para se manter vivo e tentar voltar a palcos relevantes, as acusações dirigidas à instabilidade induzida pelo Presidente ou pela Procuradora ou a fragilidade propositiva das forças à Direita; e importará relativamente mais tudo quanto contribua para a imprescindível assunção de um verdadeiro virar de página a ter de acontecer no País sob o impulso de uma visão diferenciadora de rompimento em relação ao nosso amolecido e conformado passado. Ora, eu diria que a ser assim, e surpreendentemente, o discurso com que Pedro Nuno Santos (PNS) ontem encerrou o Congresso abriu-nos essa porta, deixando apontamentos inéditos quanto à vontade e direção de “mudanças fundamentais no que tem sido feito” e à potencialidade de que uma nova energia (coletiva, explicou ele) as possa levar a cabo. Mesmo sabendo que a procissão ainda vai no adro e que falta densificar os caminhos de escolha, evidenciar as capacidades de realização e dar a conhecer a equipa responsável, o discurso (cuja componente económica mais dirigida e original abaixo reproduzo) constituiu-se numa potencial pedrada no charco, não apenas em relação aos oito anos de Costa (em que PNS esteve mas sempre coartado pela inexperiência inicial e pelas subsequentes restrições impostas pela chefia) mas também em relação aos inconseguimentos estruturais dos cinquenta anos de democracia que se completam em abril.
“Para podermos realizar estes nossos sonhos e ambições, teremos de conseguir vencer o desafio da transformação estrutural da nossa economia. Esta tem mesmo de ser a nossa primeira e principal missão: alterar o perfil de especialização da nossa economia. Só com uma economia mais sofisticada, diversificada e complexa podemos produzir com maior valor acrescentado, pagar melhores salários e gerar as receitas para financiar um Estado Social avançado. De forma intensa e continuada, temos que investir na educação, na produção de conhecimento, na transferência do conhecimento para as empresas e na inovação nas nossas empresas. Mas se quisermos obter resultados, temos de fazer mudanças fundamentais no que tem sido feito. O setor privado pode e deve investir onde bem entender, como em qualquer economia de mercado; mas o Estado tem obrigação de fazer escolhas quanto aos setores e tecnologias a apoiar. Dir-me-ão que foi isso que se fez ao longo das últimas décadas, mas não é inteiramente verdade – em Portugal, a incapacidade de dizer não levou o Estado a apoiar, de forma indiscriminada, empresas, setores e tecnologias independentemente do seu potencial de arrastamento da economia. A incapacidade de fazer escolhas levou a que sucessivos programas de incentivos se pulverizassem em apoios para todas as gavetas de forma a assegurar que ninguém se queixava. O problema da pulverização dos apoios é que depois não há poder de fogo, não há capacidade de o Estado acompanhar, não há recursos suficientes para transformar o que quer que seja. Atenção! Não devemos rejeitar um sistema de incentivos que tenha uma componente horizontal, isto é, uma componente destinada a financiar a formação, a inovação e a internacionalização independentemente do setor onde a empresa atua; devemos é acentuar a dimensão vertical do sistema de incentivos e intensificar o grau de seletividade que permita garantir a concentração de recursos necessários para desenvolver aqueles setores ou tecnologias capazes de arrastar processos de transformação económica. Os sucessivos programas de incentivos em Portugal foram dos que sistematicamente apresentaram menos seletividade na União Europeia. É tempo de ser claro e fazer escolhas porque governar é escolher – só conseguiremos transformar a economia com mais dinheiro para menos setores. É preciso fazer escolhas com base nas competências empresariais, científicas e tecnológicas já existentes em Portugal – a base é o que temos, o destino é a alteração do perfil de especialização da economia portuguesa: sem isso, não haverá maior e melhor produção de riqueza, empregos bem remunerados e serviços públicos robustos. Num primeiro plano, a política económica deve continuar a apoiar a formação, a inovação e a internacionalização das empresas que apresentem bons projetos independentemente do setor onde se insiram. Devemos apresentar desde logo um programa de desburocratização e simplificação, elaborado em diálogo e com a participação das empresas portuguesas, que reduza de forma substancial os obstáculos ao investimento, sempre com transparência e com respeito pelo ambiente. Segundo: um programa para a capitalização das nossas empresas, que promova o acesso a formas alternativas e complementares ao financiamento bancário. E, terceiro, um programa de apoios à internacionalização que seja mais do que um programa de apoio às exportações e que tenha a ambição de ter um maior número de empresas portuguesas internacionalizadas, isto é, com presença internacional. Num segundo plano, e talvez mais importante, a política económica portuguesa deve fazer escolhas, isto é, ser mais seletiva – devemos assumir um desígnio nacional para a próxima década: selecionar um número mais limitado de áreas estratégicas onde concentrar os apoios durante uma década; concentrar a maior parte dos apoios nestas áreas, na investigação nestas áreas, nos centros de transferência de conhecimento destas áreas, no desenvolvimento de produtos e tecnologias destas áreas e nas empresas com projetos que se insiram nestas áreas estratégicas. A seleção deve ser naturalmente participada e discutida, deve ser transparente e objetiva, tem de haver competências empresariais, tecnológicas e científicas, potencial de crescimento e de arrastamento e consequências na resolução de problemas específicos da sociedade portuguesa. E para isso vamos querer escolher, com os agentes económicos, a academia e o País as áreas estratégicas para desenvolver na próxima década. Queremos a nossa economia mais rica e desenvolvida, sabemos que é possível, só temos que decidir e agir.”
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