quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

A DIREITA RADICAL PERFILA-SE: PORQUÊ?

 


(O tema da radicalização à direita dos sistemas democráticas continua a revelar-se com intensidade, mas também com diversidade de formas e colorações. É natural, por isso, que este blogue, mas não só ele, se preocupe em identificar razões para essas derivas em curso, algumas mais preocupantes do que outras, sem ignorar como é óbvio as muito válidas reações espontâneas de rejeição dessa deriva, como o foram o ressurgimento de uma coligação menos tradicionalista e conservadora e mais europeísta na Polónia e as ainda mais recentes grandes manifestações de repúdio na Alemanha dos avanços da AfD. Hoje vou concentrar-me no pensamento sempre esclarecido do Professor de Oxford Simon Wren-Lewis, que sigo regularmente no MAINLY MACRO e que já há algum tempo não era convocado para estas reflexões regra geral diárias. Com proximidade ao Labour UK, é sem surpresa que Wren-Lewis aponta o dedo de acusação à inconsistência do centro-direita como fator explicativo a considerar na deriva das democracias ocidentais para a extrema-direita. Mas creio, e esse é essencialmente o motivo da sua invocação, que a explicação proposta tem um potencial de abrangência mais amplo que o sugerido pelo conservadorismo de centro-direita britânico.)

 

Wren-Lewis começa por trabalhar o conteúdo da invocada deriva para a extrema-direita de parte das democracias ocidentais, embora se trate de uma deriva que, apesar das especificidades dos contextos nacionais, começa a apresentar-se com uma preocupante manta de transversalidade.

O macroeconomista de Oxford explicita que essa deriva radicalizante à direita se alimenta essencialmente por duas vias: a das políticas económicas que reduzem cada vez mais a presença do Estado, desregulam o mercado e glorificam esse desmantelamento (de forma extrema no delírio libertário de Milei na Argentina); a das políticas sociais, que vão cedendo a tiques cada vez mais autoritários de redução de liberdades democráticas e penalizam fortemente imigrantes e os que procuram a proteção do Estado Social.

Mas onde o artigo de Wren-Lewis é mais interessante e suscetível de nos fornecer elementos valiosos para uma aplicação mais abrangente a outros países, que não apenas o Reino Unido e os EUA, situa-se na explicitação dos mecanismos através dos quais o centro-direita contribui para abrir uma passadeira vermelha ao avanço da extrema-direita.

Os dois mecanismos designados são o da “guerra cultural” e o dos mecanismos de austeridade. O primeiro mecanismo aponta para a utilização eleitoral de temas como a imigração, o nacionalismo, a denúncia do abuso das causas fraturantes, a crítica aos abusos do wokismo mais radical, a perspetiva securitária das cidades em contraponto aos avanços da imigração. Esta deriva de discurso e de foco eleitoral, cuja efetividade depende largamente do apoio que estas forças políticas obtenham nos meios de comunicação social, tem sido largamente beneficiada pela sensibilidade dos media a estas questões, em busca de uma capital de sensacionalismo e de alarme social que as redes sociais ampliam em termos de perceção, influenciando a própria comunicação social. Compreende-se que esta deriva discursiva facilita a voz a formações políticas mais autoritárias, em torno do que costumo designar de síndroma da cópia e do original. Ou seja, os partidos mais autoritários e próximos da extrema-direita ou com ela identificados serão sempre mais genuínos em esgrimir argumentos dessa natureza: entre a cópia ou o original o eleitor vota por este último.

O segundo mecanismo através do qual o centro-direita abre caminho à deriva antidemocrática consiste na utilização da austeridade como arma ideológica. No fundo, o que é visado é um Estado mais pequeno, frequentemente acompanhada da ideia de descida de impostos. Obviamente que esta orientação reduz a qualidade e poder de resposta de serviços públicos, degrada a imagem e a perceção das condições de acesso e utilização desses serviços e com isso alarga o descontentamento popular, que é o combustível de sempre para o avanço do radicalismo à direita.

Tal como Wren-Lewis o assinala, a intensidade relativa destes dois mecanismos varia de país para país e uma de duas situações possíveis tende a ocorrer: os próprios partidos de centro-direita constroem um ideário que os aproxima mais da direita radical ou o espectro político abre caminho ao aumento do peso eleitoral das forças de extrema-direita. De facto, olhando para a Europa como um todo, não é visível nenhuma reação no centro-direita que o conduza a uma maior proximidade do centro ou do centro-esquerda. Basta ter presente o inêxito do PSD de Rui Rio nessa tentativa e no PP espanhol não há quaisquer sinais de aproximação ao centro ou ao centro-esquerda (o PP de Ayuso aproxima-se isso sim de posições do VOX mais radical).

Pode perguntar-se se esta camisa de forças em que voluntária e oportunisticamente os partidos de centro-direita se colocaram tende ou não a favorecer o centro-esquerda?

Em meu entender isso observa-se e provavelmente é o que pode explicar a resiliência eleitoral do PS revelada pelas sondagens, embora estas ainda não reflitam a onda mediática da convenção da AD. Tudo isto dependerá da consolidação de um voto de descontentamento e de protesto que estará a marimbar-se como nos EUA de Trump para a degradação visível do sistema democrático. Em Portugal a dimensão desse fenómeno ainda não está descontrolada e isso justifica a já aqui anunciada necessidade de um conjunto emblemático de medidas de reencontro da população com a proteção do Estado social.

Correção realizada (16.51 de 24.01.2024)

No penúltimo parágrafo, "os partidos de centro direita se colocaram" versão agora correta, e não os Partidos de extrema-direita se colocaram, que era uma versão errada.

 

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