segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

CONTINUANDO NO MESMO TOM

 

                                                                             (Financial Times)

                                                                   (Diário de Notícias)

(As minhas mais sinceras desculpas mas começo a semana no Alfa Pendular das 07.38 para Lisboa e profundamente pessimista sobre o quadro que paira sobre a Europa. Não acordo pessimista porque me desloco para Lisboa, esclareça-se, aliás no âmbito de um trabalho motivador que consiste em avaliar o Programa Cidadãos Ativ@s que as Fundações Calouste Gulbenkian e Bissaya Barreto gerem em parceria, com financiamento do EEA Grants. Acordo pessimista porque um conjunto de notícias confirma o tom do meu último post, ficando assim com a estranha sensação de que vai ter de alterar-se o modo como antecipamos o nosso futuro e dos que nos são mais próximos. Para hoje apenas duas notícias que convergem no referido pessimismo. Nos EUA, a desistência de De Santis em favor de Donald Trump reitera o que já sabíamos. O velho Partido Republicano de Eisenhower foi capturado e está assim refém por ganância, interesse e outros inconfessáveis motivos da pornopolítica de Trump. Na Alemanha, o Financial Times dá-nos conta que a ascendente extrema-direita alemã, a AfD, se propõe seguir as pisadas do BREXIT britânico e lançar se chegar ao poder um referendo para uma eventual saída da Alemanha da União Europeia. Por tudo isto, assobiar para o lado talvez não seja a reação mais inteligente dos que consideram a democracia a grande conquista ocidental.)

 

O fenómeno da captura do Partido Republicano por parte de Trump e dos seus acólitos mais desesperados e descontentes constitui um verdadeiro caso de estudo e que vem trazer ao tema do meu último post uma nova e surpreendente base de evidência. No meu último post, analisava o efeito mimético nefasto que o avanço da extrema-direita populista, nacionalista e antissistema estava a gerar na direita democrática mais à direita. Referi que esse era o risco que corria o PSD agora na sua versão de coligação AD. Por mais que Portas e seus apaniguados insistam que o crucial é impedir uma geringonça 2.0, o PSD sabe que o que está verdadeiramente em causa é a sua sobrevivência como uma força política social-democrata, com presa sobre o centro político democrático. Ora, a fenomenologia desse risco no caso do Partido Republicano passa-se no interior do próprio Partido. Se pensarmos bem, os três candidatos que se perfilaram no IOWA, Trump, De Santis e Haley todos protagonizam essa captura. De facto, não haveria na família Republicana alguém minimamente decente para pelo menos levar a votos a ideia de barragem contra essa captura? Pelos vistos não havia ou terão desistido da política. A captura do Partido por Trump representa uma aliança profunda entre a ganância mais despudorada do 1% mais rico, ou pelo menos uma grande parte desse grupo, e o descontentamento dos mais deserdados da sociedade americana. Enquanto isto, o Partido Democrata, insensível ou mesmo autista ao que está em formação, divide-se em torno das fissuras do wokismo mais snob e elitista, havendo mesmo quem não tenha dúvidas em considerar que a instituição New York Times está tomada por esse tresloucado wokismo.

Quanto à Alemanha, a ascensão da AfD faz parte do que poderíamos designar de Internacional nacionalista, populista e xenófoba. Por muitas diferenças que possa haver, e elas existem, entre figuras como Trump, Le Pen, Meloni, Abascal e outras (o Senhor Ventura, embora empático é um simples aprendiz de feiticeiro nestas guerras), elas comunicam entre si e quanto mais avançam sentem que podem avançar de modo mais seguro e mais acompanhadas.

Como vos tinha já referido, acabei de ler a obra sugerida pelo meu colega de blogue Les Aveuglés sobre o modo titubeante como a Europa foi seguindo os caprichos invasores de Putin, até à revelação total de fevereiro de 2022 com a invasão da Ucrânia. A obra é muito interessante porque em torno do tema central suscitam-se outras interpretações. Um dos temas aparentemente laterais que emerge do escrito de Sylvie Kauffmann é a possibilidade de ir mais fundo na explicação da traumática saída da Alemanha da Segunda Guerra Mundial, reunificação Leste-Oeste e posterior adaptação aos novos tempos. A sensação com que se fica a partir da sedução que a figura de Putin exerceu sobre vários líderes alemães, incluindo a própria Merkel (e não estou a pensar nas malhas da corrução de Schroeder), o que nos obriga a uma profunda revisão do seu legado para o futuro da União, é a da necessidade de uma profunda psicanálise da maneira como os Alemães se perspetivam no mundo. Uma mistura de complexos de culpa, atração pela sedução da força imperial, problemas não resolvidos da reunificação gerou um caldo propício a que a AfD prosperasse. E esses complexos de culpa atingem o próprio SPD que vai definhando. Figuras como Frank-Walter Steinmeier, Gerard Schroeder e Sigmar Gabriel estiveram no coração das tramoias de Putin, uns com coloração mais forte de corrupção do que outros, que explicam em parte aquele ar infeliz que o líder atual do SPD Olaf Scholz evidencia publicamente.

Está assim explicado o pessimismo com que acordo hoje de manha.

O Alfa parece mais calmo e estável, embora em alguns troços, o portátil continue a dançar imprevisivelmente. Em cada viagem que faço, mais percebo o peso da inércia que nos tem afastado, espero que não irreversivelmente, de uma ligação verdadeiramente europeia entre Porto e Lisboa, que nos permita continua a viver a autonomia de duas cidades que se desejam vibrantes.

 

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