(No meu esquema organizado de lenta transição para a inatividade, a quinta feira anuncia-me o fim de semana, pois a sexta não é dia de trabalho e anuncia o contacto com os netos. Por isso, apetece-me hoje desanuviar e caminhar por temas mais culturais, afastando-me do peso da realidade política e económica. No último Expresso Revista, houve um artigo que me chamou à atenção redigido por quem é no meu modesto entender o maior crítico musical do nosso tão escasso panorama de críticas musicais. O crítico é Jorge Calado e nele tenho encontrado um suporte sempre robusto para compensar a minha paupérrima formação musical, de que tanto me penalizo, mas no meu tempo os paizinhos não tinham as mesmas preocupações de formação abrangente que os de hoje. O tema da crítica era o Concerto de Ano Novo da Gulbenkian, a que nunca tive o prazer de assistir, como sucedâneo remoto da frustração de Viena estar longe. A introdução da crónica era apelativa e dizia exatamente isto: “Há cinquenta anos que não ouvia ao vivo, em Portugal, um tenor tão fabuloso. Aconteceu no Concerto de Ano Novo na Gulbenkian, a 4 de janeiro. Ouvir Tetelman é escutar a alma das personagens”. Fiquei de alerta e a Amazon Espanha trouxe-me rapidamente dois CD’s de Jonathan Tetelman, o tal tenor que encantara o rigor crítico de Jorge Calado. Os dois CD’s são da Deutsche Grammophon, o de 2022 com árias de Verdi, Giordano, Bizet e Pinchielli e o de 2023 The Great Puccini, dedicado obviamente a Giacomo Puccini (1858-1924).
Com o lastro de nomes como Pavarotti, Domingo e Carreras ainda a marcar as nossas memórias auditivas, até agora Jonas Kauffmann e Juan Diego Florez eram as minhas referências mais contemporâneas, com destaque para o primeiro.
Sigo o instinto crítico de Jorge Calado que, relativamente ao Concerto de Ano Novo, é capaz de escrever isto: “A voz é essencialmente lírica, mas sólida e enérgica, capaz de brilhar com uma potência inaudita. (O segredo estará no domínio absoluto das técnicas e mecanismos vocais, que lhe permitem ‘dar a volta à voz’, ou ‘cantar entre as vozes’, abordar estilos diferentes e, de caminho, transmitir cantando os mais genuínos e profundos sentimentos.) Ouvir Tetelman é escutar a alma das personagens”. E, de facto, creio firmemente que Jonathan Tetelman abre uma nova galeria de tenores, combinando admiravelmente lirismo e força telúrica de Voz. Para medirmos a escala comparativa utilizada por Jorge Calado ele reporta-se a 1973 quando ouviu o lendário Corelli no S. Carlos e no Coliseu. Não é uma escala qualquer.
Por isso, se tiverem um momento de distensão que queiram preencher com novas sensações auditivas, ouçam Tetelman e imaginem que partilharam com um público ao rubro a atuação do tenor no Concerto de Ano Novo da Gulbenkian de 4 de janeiro de 2024.
Não vão arrepender-se.
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