terça-feira, 16 de janeiro de 2024

SOBRE A BASE SOCIAL DO CHEGA

 

                                                        (Com a devida vénia ao Henri Cartoon)

(Posso avançar que não tenho grande pachorra para dedicar ao fenómeno do Chega uma elevada quantidade de posts e reflexões, por mais explosivo que possa ser o seu crescimento eleitoral em 10 de março. Nessa noite, saberemos se esse eventual crescimento se deve à incapacidade do PSD e do agonizante CDS para reter eleitorado ou se, pelo contrário, a esquerda tem culpas no cartório, devido a uma possível insensibilidade às causas latentes da sua presença eleitoral. Por isso, começarei com uma breve reflexão sobre a base social da agremiação do Ventura, que provavelmente será a única até ao ato eleitoral de 10 de março de 2024, a não ser que algum acontecimento imprevisto irrompa pelo panorama mediático português. A minha análise não coincide com a de muita gente, sobretudo à esquerda, que desvaloriza o fenómeno e também com aqueles que reduzem tudo a uma total incapacidade de compreender a insatisfação dos que têm engrossado o corpo de apoiantes e eleitores do partido de Ventura. Trata-se sempre de uma posição difícil de consumar e a sua audiência é mais pequena do que a revelada pelos extremos interpretativos. Sei isso por experiência própria, mas não é agora aos 74 anos que mudarei de perspetiva. Assim, o post de hoje é uma tentativa de explicar a minha interpretação intermédia entre aqueles extremos. )

 

Começo por defender a ideia de, à semelhança do que se registou na vizinha Espanha, e sim estou atento às diferenças de contexto que a história espanhola recente nos oferece, uma parte da base social do Chega (não conheço qualquer estudo de opinião que nos ajude a quantificar o peso que esta componente apresenta) é ainda constituída por antigos ressabiados do regime salazarista que fizeram a sua “adaptação democrática” a contragosto e com uma cautelosa exposição. Sabemos que um movimento como o 25 de Abril com a sua dimensão de rua exerce uma pressão fortíssima sobre esse ressabiamento. Felizmente alguns estrategas do 25 de novembro compreenderam que era necessário suster de vez esse segmento de opinião e tal como em Espanha essa população ressabiada ou se retirou para o sossego dos seus lares ou acampou em partidos ditos democráticos. Imagino que o PSD e o CDS foram os depositários de tais mentes, mas não enjeito a possibilidade de alguma dessas iluminárias se ter reconvertido totalmente e militado nas franjas do PS, por exemplo. O exemplo de Espanha é similar e uma grande franja do VOX andou pelo universo do PP para disfarçar.

A análise social mostra com clareza que este grupo tende a libertar-se e a expor-se mais quando o descontentamento social com os governos democráticos se intensifica. Além disso, os tempos mais recentes com a emulação europeia e americana de nacionalismos populistas, xenófobos e de conservadorismo extremo constituem ambientes altamente combustíveis para que o ressabiamento se possa exprimir, sobretudo quando um agente e uma formação política os namoram descaradamente.

Existe ainda uma outra dimensão que é declaradamente mais residual, embora continue a não poder quantificá-la, que é composta por aqueles que assistem à degradação organizativa de partes importantes dos serviços públicos e que consideram que só o caos total vai induzir alterações e políticas para corrigir as situações. O caso do SNS será provavelmente o mais claro, obviamente que agravado por toda a construção mediática das perceções e não informado por indicadores objetivos e comparativos de satisfação e eficiência. Nestes casos, pode assistir-se a uma espécie de casamento entre anarquismo libertário e reacionarismo mais extremo, desejosos de que o caos se instale e proporcionar a “restauração”. Não estou seguro como o estou relativamente à primeira dimensão, mas este fenómeno pode eventualmente acolher-se eleitoralmente no desbragamento discursivo de Ventura.

Noutro plano, obviamente que existe uma parte do eleitorado (maior ou menor não tenho elementos para o dizer) que emerge com indicadores salientes de insatisfação não compreendida pelas forças políticas mais intervencionistas ou mais liberais que assumem a governação. Ela alimenta-se da deceção provocada pela ineficácia do Estado Social relativamente a determinados grupos sociais, designadamente os que são penalizados pela evolução estrutural do emprego.

Esta é a parte do eleitorado que sucumbe ao populismo mais abjeto que é mais suscetível de ser recuperada e já desenvolvi a ideia em posts anteriores. Trata-se de lançar um conjunto emblemático de medidas dirigidas a estes grupos sociais. Essa é a melhor forma de compreender a insatisfação e não através de discursos vazios e estéreis de defesa em abstrato do Estado Social e da democracia. Trata-se de medidas concretas, emblemáticas e representativas em termos de recursos envolvidos.

E mais não disse.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário