“Deixa passar esta linda brincadeira”, assim começava a canção com que o madeirense Max celebrava a sua Ilha de origem em tempos já bem distantes. A frase veio-me à cabeça a propósito da tristíssima novela que se vem desenrolando na Madeira, seja no plano do “polvo” que finalmente se começa a percecionar de modo claro, seja no plano do desgovernado e oportunista pingue-pongue politiqueiro que por lá ocorre a cada minuto (entre o PAN, o PS, o CDS e o Ministro da República, por uma banda, e o embaraço das diversas fações do partido laranja, por outra), seja ainda no plano dos respetivos reflexos no Continente (do ensurdecedor silêncio de um Presidente da República que tanto nos habituou a falar demais mas procura agora preservar a sua margem de manobra para o próximo futuro à infrutífera tentativa do líder do PSD de não se deixar machucar por toda aquela parafernália).
Mas há uma dimensão bem mais problemática e gravosa associável àquela frase. E essa é, obviamente, a de uma renovada evidência do manifesto descontrolo em que está mergulhada a Justiça portuguesa. De facto, foi com espanto que o País assistiu à aterragem de dois aviões da Força Aérea Portuguesa no aeroporto Cristiano Ronaldo, ao desembarque de 150 agentes da Polícia Judiciária acompanhados de vários elementos do Ministério Público (parece que os jornalistas tinham vindo de véspera...), a um espalhafato de buscas a dezenas de residências oficiais e privadas e à detenção de três personagens (dois empresários e o Presidente da Câmara do Funchal, com Miguel Albuquerque a ser constituído arguido). Mas há mais: os detidos vieram para Lisboa há quase uma semana e, apesar de legalmente deverem ter sido ouvidos no espaço de 48 anos, continuam à hora a que escrevo por ser chamados para prestação de declarações.
Estamos claramente perante uma prova de força e poder por parte do Ministério Público, a somar aliás a várias outras de que tem sido um lamentável protagonista. Porque são inequivocamente questionáveis os modos e os tempos escolhidos, uns e outros impróprios. E porque a defesa da autonomia do Ministério Público não significa nem pode significar ausência de mínimos em termos de definição de prioridades para a sua investigação e de discrição e escrutínio da sua atuação. Por isso, aquilo que está diante dos nossos olhos é do foro de uma séria ameaça sobre o regime democrático.
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